segunda-feira, 18 de abril de 2016

SOBRE GOLPES E CULPAS

Buscando entender melhor a crise brasileira em seus desdobramentos até o 18 de abril, data da aprovação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o Blog ousa selecionar abaixo o que considera como os maiores responsáveis pela difícil situação a que chegou a democracia brasileira.  Além de apontar os fatos buscou-se também hierarquizar as responsabilidades do menor para o maior.


6º Lugar: A Cultura Golpista Brasileira

Temos uma tradição de golpismo em nossas veias históricas. Normalmente se prefere a extração do que a reparação. Nossa classe média mais uma vez demonstrou ser uma das mais preconceituosas do planeta, enquanto nossas elites (aquela mesma que se recusou abolir a escravidão por um século inteiro) demonstram seu lado mais reacionário e perverso. A cultura do golpismo presente nas campanhas anti-Lula e anti-Dilma, que dá vitória eleitoral para qualquer um que não seja candidato do PT em estados importantes, como o Rio Grande do Sul, se manifestou latente nos meios de comunicação e nas conversas de esquina, reforçada pela intolerância e pelo racismo tão vivo e tão negado entre nós.

5º Lugar: A Crise Financeira Internacional

O mundo do capital passa por uma de suas piores crises pós a Segunda Guerra Mundial. Essa crise começou em 2008, nos Estados Unidos, mas, graças às políticas de novas parcerias do presidente Lula, não nos atingiu como em outros tempos e por aqui passou como uma “marolinha”. Em 2010 a tsunami econômica chegou à Europa e ao Oriente, e, desde então, vem ameaçando desde economias de papel sustentadas pela União Europeia até gigantes como a Itália e a própria China que desacelerou o ritmo do crescimento depois de duas décadas frenéticas. Dessa vez a crise nos atingiu e atingiu nossos parceiros do BRICS e o efeito tem sido danoso. Se em 2008 a direita não tentou o impeachment de Lula quando do “Mensalão” porque, ela sabia bem, estava ganhando, agora se colocou contra Dilma e sua propalada ineficiência no combate a crise, tendo o impeachment aparecido como uma boa ideia, não meramente pela troca de nomes, mas porque os arquitetos do golpe estão comprometidos em aplicar novas medidas neoliberais, como a terceirização da mão-de-obra (na prática o fim da CLT). Para os donos do poder, o neoliberalismo aparece como a salvação imediata de seus problemas e Dilma e o PT são cartas fora do baralho.

4º Lugar: A Imprensa Golpista

O papel da mídia, especialmente da Rede Globo de Televisão, já havia sido assustador quando da eleição do primeiro presidente após a ditadura militar, Fernando Color, derrotando Lula e Brizola. Sabemos que a imprensa trabalhou arduamente pelo golpe de março de 1964 e é histórico que o império Globo nasceu sob os auspícios dos generais da ditadura, mas, dessa vez o golpismo se superou. Selecionando o que transmite e o que não transmite, escolhendo como transmite, que ângulos detalha ou esconde e que falas vão ao ar. Supervalorizando fatos negativos e contrários e sonegando informação sobre fatos positivos. O que a Rede Globo fez, juntamente com a já folclórica Revista Veja, mas não somente elas, mas todo o conjunto da mídia coorporativa, foi algo de criminoso. Tão devastador que a polícia federal, uma polícia de inteligência, tornou-se polícia ostensiva com seus agentes disputando o lugar ao lado dos detidos, em nome da fama. Tão corrosivo que é mais responsável pelo golpe do que a própria crise econômica que acabou se tornando uma de suas armas. É impossível pensar qualquer projeto de democracia daqui para a frente sem o enfrentamento do superpoder midiático e seu literal esfacelamento, fazendo com que deixe de ser um agente político e seja apenas o que tem concessão para ser: um veículo de divulgação de notícias, como é, não em Cuba ou na Rússia, mas na Inglaterra e nos Estados Unidos.

3º Lugar: O Sistema Judiciário Brasileiro

Sempre bem quisto pela população como sua última esperança contra os desmandos dos poderosos, o sistema jurídico brasileiro entrou em falência com os fatos. Tudo começou ainda no mensalão quando juízes se deixaram contaminar pela “síndrome de celebridade” e passaram a fazer evidente jogo de cena em busca dos holofotes. O Juiz deve ser como o árbitro de futebol, quanto menos aparecer melhor para o jogo. Porém, togados se tornaram “heróis” de capa e espada para certas fatias da sociedade, sempre levados pela mídia ao ponto de um juiz de 3ª instância de São Paulo ter tentado atravessar o processo e convocar o ex-presidente Lula para depor onde não tinha qualquer competência. Era o desejo infantil de aproveitar a onda e se tornar também, celebridade. Outro assumiu postura partidária e abandonou a imparcialidade chegando a convocar coercitivamente alguém que jamais fora convocado antes. Outro ainda tornou-se personagem televisivo no STF por representar o “clamor da oposição” de forma descarada. Da mesma forma que é impossível se pensar em democracia no Brasil daqui para a frente sem o enfrentamento da imprensa também o será a necessidade de humanizar o judiciário, fazendo os juízes deixarem de ser deuses e tornarem-se apenas cidadãos, funcionários públicos, que cumpram com seu papel institucional e que possam e devam ser punidos quando deixarem de cumprir.

2º Lugar: Dilma Rousseff

O primeiro dever de um presidente da república é defender a constituição e a soberania nacional. Infelizmente Dilma fracassou retumbantemente no primeiro dever. Dilma sempre acreditou que venceria o golpe com medidas institucionais. Jogou pérola aos porcos. Tentou ser querida pela direita escolhendo um Ministro da escola liberal que, logicamente a afastou do povo. Dilma, uma ex-guerrilheira destemida esqueceu as estratégias de guerra e marchou como um patinho para a panela. Não se enfrenta o fascismo com medidas suaves, pergunte para qualquer historiador ou velhinho da Itália, da Alemanha e da Espanha. A presidente evitou o confronto. Adulou a Globo. Afastou-se de Lula e dos organismos sociais, num primeiro momento. Se é verdade que é a primeira vítima pessoal do golpe, também é, em muito, responsável por tudo o que acabou acontecendo.

1º Lugar: O Governo do PT, incluindo setores políticos que o apoiam e também o ex-presidente Lula

O PT vendeu sua alma ao diabo para chegar ao poder. A esquerda histórica do partido dele se afastou desde esse momento. Mesmo assim deu início a vários programas sociais importantes e urgentes, responsáveis pela melhoria da situação dos mais pobres e por um surto consumista no país. Mas, da mesma forma que na Venezuela, no Paraguai, no Equador e, de certo modo, na Argentina, não avançou além das primeiras jardas. O PT acreditou que apenas os programas sociais poderiam garantir a manutenção do poder, mas, a história nos mostra que não é assim. Todo governo de esquerda que evita radicalizar seu projeto social, que vacila, acaba fracassando. No dizer de Leonel Brizola, o PT foi a esquerda que a direita queria. A direita aliás que muito se beneficiou dos governos do PT, mas que não hesitou em dar um pé na bunda quando perdeu a serventia. O governo petista guardou sua militância na gaveta e só pediu ajuda quando já fazia água. Da mesma forma cabe crítica aos movimentos que tradicionalmente têm a força das ruas para evitar o pior. Alguém sabe, por exemplo, por onde anda a UNE?

O texto acima reflete a opinião pessoal do autor do Blog. Gostaríamos imensamente de contar com opiniões e participação, tanto para concordar, como para discordar, de seus leitores.


Prof. Péricles
















domingo, 17 de abril de 2016

BANDIDOS AMEAÇAM O GIGANTE



Por Timothy Bancroft-Hinchey

Os procedimentos de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff do Brasil são ilegais, equivalentes a nada menos que tentativa de golpe de Estado, mecanismos dos quais se serve agora uma elite política endemicamente corrupta e em vários casos criminosa, dominada por Washington e hoje terrivelmente perturbada por quatro mandatos consecutivos de presidentes democraticamente eleitos, representantes do Partido dos Trabalhadores.


Depois de décadas de terrorismo social praticado por partidos políticos de direita, animados por bandos de criminosos, estupradores, assassinos e fraudadores que, em muitos casos controlaram postos chaves das instituições políticas do Brasil, afinal o Partido dos Trabalhadores chegou ao Palácio do Planalto, no raiar desse milênio, luz nova e limpa que marcou o verdadeiro despertar do Brasil, o gigante tradicionalmente adormecido.

Tido como motivo de piadas e chacota da comunidade internacional antes de Lula e Dilma, o Brasil converteu-se, a partir do início dos governos do PT, em ator respeitado e importante no cenário mundial, com ação e voz no plano internacional, ouvido com reverência e atenção, quando afinal começou a distender os próprios músculos. Esse o Brasil que tirou milhões de homens e mulheres da pobreza, lançou programas sociais e educacionais em escala jamais vista nem no país nem no mundo, alcançou os mercados que, antes, o país só conhecia como pontos no mapa mundi.

Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores deram ao Brasil projeção muito mais ampla, e o país deixou afinal de ser destino turístico tropical, que só tinha a oferecer futebol, carnaval e cachaça.

Hoje, e graças a Lula e Dilma, o Brasil é respeitado do Japão à Jamaica, de Cape Town, no ponto sul extremo da África, a Casablanca no norte; nas Américas, do sul ao norte, dos Andes ao Alaska e no outro lado do mundo, na Oceania, na Ásia, no Oriente Médio.

Mas o país continua a ser destratado e desrespeitado em casa, por um bando corrupto e volátil de agitadores de rua, rasos e venais, os quais, se você tenta falar com eles e elas para saber o que pensam, não conseguem juntar duas frases que expliquem o que, afinal de contas, andam a berrar pela Avenida Paulista, em São Paulo.

Foram adestrados e mobilizados por uma gangue de criminosos traidores ambiciosos, que só fazem repetir que a presidenta Dilma seria culpada, porque teria manipulado estatísticas e burlado a lei fiscal. Mas o advogado geral diz, na Suprema Corte do país, que não há caso contra a presidenta; que a acusação é viciada do começo ao fim; que todo o processo é um golpe de Estado que os golpistas tentam diluir num oceano de 'judicialidades'.

Quem fizer uma viagem ao Inferno, lá verá muitos dos que hoje infestam a Câmara de Deputados do Brasil, gente que só trabalha a favor dos próprios interesses pessoais ou de grupos, sem vestígio de decência ou moral em muitos casos, sem noção do que sejam ética, moralidade e práticas democráticas. Gente daquele tipo que, se acontece de apertarem sua mão, você tem de conferir se ainda tem todos os dedos e a aliança.

Por causa de um punhados desses, supostos políticos, que manipularam a opinião pública para promover um caso-ficção construído por dois ou três diretamente interessados no golpe, auxiliados pelo tradicional lixo euro-gringo do sul – esses que se veem aos gritos pelos bairros mais ricos do Brasil –, o Brasil está voltando a ser, outra vez, a piada do dia, na comunidade internacional.

E será o fim do "sonho do Brasil", da democracia com características brasileiras. O Brasil terá sido apunhalado pelas costas, e pelo próprio Congresso Nacional, em Brasília.

Mas e os que estarão, nesse fim de semana, fazendo avançar o projeto de desgraçar o Brasil, por acaso perdem o sono? Claro que não, porque todos têm os bolsos gordos de dólares – dólares, não reais. Mas, e fiquem sabendo todos, o eleitorado brasileiro hoje traído e apunhalado pelas costas, tem o direito de conhecer quem votou ativamente pela desgraça do Brasil, e haverá de saber quem, eleito para representar o povo do Brasil, traiu-o tão miseravelmente.

Esperemos que fracasse a maioria de dois terços dos votos necessária para que o golpe do impeachment de presidenta sem crime e que o Brasil possa prosseguir nas suas políticas públicas para fazer do mundo um lugar melhor, resgatando os brasileiros mais sacrificados por décadas de miséria gerada pelos mesmos que, hoje, ainda conspiram para destruir a democracia brasileira.

Aconteça o que acontecer, haverá eleições dentro de dois anos. Que os brasileiros deem bom uso ao próprio voto.






* Timothy Bancroft-Hinchey trabalhou como correspondente, jornalista, subeditor, editor, editor-chefe, gerente de projeto, diretor executivo, sócio e proprietário de publicações diárias, semanais, mensais e anuais, estações de TV e grupos de mídia impressa e digital distribuídas em Angola, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e ilhas de São Tomé e Príncipe; passou as duas últimas décadas em trabalhos humanitários, conectando comunidades, trabalhando em redes com comunidades LGBT, ajudando a organizar abrigos para vítimas abusadas ou traumatizadas. É diretor e editor-chefe da versão em português de Pravda.Ru.




sábado, 16 de abril de 2016

LIÇÕES DA MÚLTIPLA CRISE BRASILEIRA

Leonardo Boff

Por Leonardo Boff


Primeira lição: o tipo de sociedade que temos não pode mais continuar assim como é. As manifestações de 2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente, justo e sustentável.

Segunda lição: superar a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iniqua do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto não se taxarem as grandes fortunas e não submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual, injusto e pobre.

Terceira lição: prevalência do capital social sobre o capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe simplesmente e faze-lo um consumidor, mas fortalecer-lhe o capital social feito pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver, pré-condições de uma cidadania plena.

Quarta lição: cobrar uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a democracia representativa que, por causa de sua histórica corrupção, o povo sente que ela não mais o representa.

Quinta lição: a reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente, atendia as classes que detém o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está aí mais para garantir privilégios do que para realizar o bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas partidária.

Sexta lição: o dever ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da constituição de nossa nacionalidade e que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos, carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas políticas públicas e desprezados e humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e proativas para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos benefícios da sociedade moderna.

Oitava lição: fim do presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo, precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão, mas uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da intelectualidade, das artes, das mulheres, das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita por todos.

Nona lição: O caráter claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e privatista. Em outras palavras, o bem comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso se concretiza por política sociais que atendam as demandas mais gerais da população a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem redistributivas (diminuir de quem tem de mais para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade social.

Décima lição: inclusão da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa civilização.


Leonardo Boff, é articulista e escritor




sexta-feira, 15 de abril de 2016

A CULPA NÃO É DO DIABO


O ser humano adora culpar terceiros pelos seus infortúnios.

É mais agradável pensar que errou por culpa de alguém. Que bebeu porque o diabo “atentou”. Que sua vida está uma porcaria por causa do pai ou da mãe, ou da esposa, esposo, filhos, enfim, por culpa de alguém, não sua.

A culpa terceirizada é a salvação da lavoura de muitas consciências.

O que seria das Igrejas que se anunciam como a redenção das criaturas se não existisse o diabo para levar a culpa de tudo, desde unha encravada até por bater na esposa?

É bom e confortável se sentir vítima e não o responsável por suas dores.

Talvez, por isso, o exercício da democracia assuste tanta gente na mesma proporção que a ditadura agrade a outros.

O voto que escolhe diretamente seu representante tira boa parte da desculpa do “não tenho nada a ver com isso” e é sempre melhor ter um ditador que diga o que fazer do que construir com trabalho a própria cidadania.

Construir cansa, melhor receber já pronto, é mais confortável.

Foram raros os eleitores do Color depois do impeachment. Ninguém teve culpa, os votos brotaram nas urnas por mágica de Houdine, ou melhor, por efeito especial da Globo, sim, a Globo foi a única culpada, pronto.

A falta de conhecimento leva às pessoas a terceirizar suas dores, mas a falta de caráter esconde suas escolhas.

Se o golpe tiver sucesso e derrubar Dilma Rousseff, o Brasil em breve, mas bota breve nisso, entrará num círculo maluco de horrores.

Não, não haverá nada além do que já se conhece: neoliberalismo, entreguismo, desemprego, dívida, perda de direitos trabalhistas, proteção ao capital privado, desdém ao capital e ao patrimônio público.

Só que dessa vez a encrenca será maior. E isso porque o povo mais humilde, aquele que mais ganhou nesses 14 anos, não aceitará perder o que conquistou.

Dizia Buda que uma consciência que se expande nunca mais aceita retornar ao tamanho original.

As conquistas sociais e a ampliação da consciência de seus direitos políticos também.

Na década de 70 lutando contra a Ditadura, o PC do B (o verdadeiro) organizou sua Guerrilha no Araguaia justamente por ser um dos lugares mais miseráveis, abandonados e alienados do Brasil.

A Guerrilha foi derrotada e quase todos os guerrilheiros assassinados, mas desde então (e a Guerrilha se encerrou em 1972) até hoje o Araguaia é um centro permanente de tensões pois os sem-terra e os pequenos agricultores daquela região nunca mais aceitaram o cabresto como antes.

Quando começar o desmonte (que não será imediatamente, mas logo e por etapas) dos programas sociais o bicho vai pegar.

É provável que essa história não termine sem dores e corpos sem vida, não apenas por lutas mas também por desespero.

Mas, uma certeza podemos ter: ninguém terá culpa. Ninguém assumirá sua identidade coxinha. Foi a Globo e só a Globo, plim-plim.

Ninguém baterá no peito para exclamar “eu lutei contra a ordem democrática e vibrei no virtual e no real com a posse de Michel Temer”.

“Eu fui um dos milhões de Eduardo Cunha”.

Por que?

Porque é mais tolerável ocultar suas responsabilidades e apontar o dedo para outros.

Por isso ninguém aqui no Rio Grande do Sul ainda levantou a mão publicamente para se chamar de ameba por eleger um político sem propostas e sem ideias para governar o estado.

Ninguém disse num bate papo com os amigos, fazendo cara de intelectual “eu acreditei que o importante era tirar os petralhas”, "eu achei graça com a piada do Tumelero"

Enquanto os trabalhadores sofrem com salários parcelados a horda de eleitores anti-PT suspira e faz de conta que não vê pois, para muitos, quando não se vê o sofrimento dos outros ele não existe.

O problema não é a falta de conhecimento, é o conhecimento distorcido pelo ódio e pela vaidade.

A responsabilidade é mais profunda e coletiva.

É do caráter egoísta, mesquinho e invejoso das criaturas, especialmente das que não aceitam o crescimento daqueles que julgam inferiores.

"Onde já se viu negros, gays, lésbicas e índios nos olhando em pé de igualdade?"

É dos inconformados por pobre ter filhos no mesmo colégio de seus filhos e receberem 70, 80 reais de auxílio, que, pela revolta provocada, deve abalar profundamente a economia dos "revoltados".

Dos que odeiam que os mais esquecidos agora tenham médicos que os atendam e se preocupem com eles.

O motivo mais escondido de todo esse drama é que, o ser humano é patético quando permite que seu ódio por tudo aquilo que pode dar certo, justifique sua pequenez de pensamento e de atitudes.

Os mesmo seres patéticos que um dia dirão que "a culpa não foi minha... foi do diabo que tomou conta do Brasil" enquanto se postam, hipocritamente, a rezar para que todos sejam felizes.

Prof. Péricles















quinta-feira, 14 de abril de 2016

SOMBRAS QUE NOS PERSEGUEM



Com seu jeito simples mas, ao mesmo tempo, profundo de analisar a realidade, Leonardo Boff nos lembra as sombras de nosso passado que insistem em estar presente na crise atual.





Por Leonardo Boff


A primeira sombra é nosso passado colonial.

Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.

A segunda sombra foi o genocídio indígena.

Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional. Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente “gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância.

A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão.

Entre 4-5 milhões foram trazidos de África como “peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala. Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ela está aí para nos servir. Se lhe pagamos salario é caridade e não direito. Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito e criou-se um estado para servir os interesses dos poderosos e não ao bem de todos e uma complicada burocracia que afasta o povo.

Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca logrou-se civilizá-lo. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si. Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.

A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.

Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção.

Seria hipocrisia negar que corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento. Setores importantes do PT se deixaram morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.

A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas.

Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociais para tornar menos malvada a nossa sociedade.



Leonardo Boff escreveu: Que Brasil queremos, Vozes 2000.



terça-feira, 12 de abril de 2016

MACARTHISMO À BRASILEIRA


No início da década de 50 os Estados Unidos viviam à beira de um ataque dos nervos.

No final da década anterior a União Soviética testara com sucesso sua primeira bomba atômica, a China tornara-se comunista e a influência norte-americana no mundo parecia definhar.

Portanto, a Guerra Fria estava muito quente e os ânimos exaltados.

É nesse cenário que, em fevereiro de 1950, surge a figura sinistra de um senador.

Joseph Raymond McCarthy, senador do Wisconcin pelo Partido Republicano, era membro de uma praticante família católica e tinha 41 anos. Antes de se eleger senador exerceu, por sete anos a função de juiz de Direito.

De fevereiro de 1950 quando acusa o Departamento de Defesa norte-americano de estar infiltrado por agentes comunistas a maio de 1954 quando caiu em desgraça junto ao Presidente Eisenhower por atacar o secretário do Exército, Joseph MacCarthy seria figura diária na mídia norte-americana, tendo, ao que parece, adorado a notoriedade que adquiriu como presidente do Comitê de Atividades Antiamericanas (HUAC).

Acusou de praticar atividades antiamericanas e convocou para depor no Comitê que liderava centenas de pessoas, principalmente funcionários públicos, trabalhadores da indústria do entretenimento, educadores e sindicalistas.

Muitos foram demitidos, execrados, ridicularizados e humilhado mesmo sem haver qualquer materialidade nas acusações.

Esse período nefasto na história dos Estados Unidos é chamado de MacCarthismo e definido como um período de caça as bruxas pelo seu contexto de incentivar a delação, pois, alguém que se dizia simpatizante arrependido do comunismo só era perdoado se delatasse outros membros simpatizantes.

Entre muitos injustiçados por acusações levianas, destaca-se Charles Chaplin que acabaria se mudando para a Suiça, para nunca mais voltar.

O Macarthismo durou até 1957 mesmo ano em que o tenebroso senador senador morreu, aos 49 anos, em 2 de maior, vítima de cirrose.

Para ele, acostumado a brincar com a vida alheia e a se julgar Deus, a perda de notoriedade, a distância dos holofotes e sumiço dos puxa-sacos havia sido insuportável.

Seu nome tornou-se sinônimo de intolerância. Quase todos os processos que liderou tornaram-se nulos e o estado arcou com numerosos ressarcimentos.

Infelizmente para muitos que morreram antes ou prejudicaram definitivamente suas carreiras, nenhuma reparação seria realmente justa.

MacCarthy, para acalmar a consciência ou o ego ferido, entregou-se ao beber compulsivo que o levaria rapidamente a morte.

Na atualidade brasileira um autêntico MacCarthismo e caça as bruxas incentivada pelo brilho da ribalta promovido por câmeras platinadas está em curso.

Em vez do anti-comunismo o anti-petismo.

Não há comissões no Congresso, mas tribunais de exceção que escondem provas e criam fatos, que gravam e divulgam gravações.

Ao invés do respeito às urnas uma campanha difamatória acompanhada por uma onda de ódio.

Nesse contexto, a história de Joseph Raymond McCarthy deveria ser recitada nos lares de muitos juristas, policiais e cidadãos que se acham mais do que mera fagulha na fogueira das vaidades da política brasileira.



Prof. Péricles