terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
A ILUSÃO DE FAZER PARTE
Quando os Estados Nacionais começaram a surgir, a partir do século XII, a idéia era: a existência de um território demarcado, um povo com alguma identidade cultural nesse território e um governo centralizado, que governasse para todos.
Essa era a proposta contra o decadente mundo feudal, das guerras intermináveis, das pestes sem controle e da fome.
Mas, para que isso funcionasse foi preciso criar uma ilusão.
A ilusão era que todos fariam parte do mesmo jeito, do Estado Nacional.
Ou melhor, todos seriam iguais aos olhos do Rei.
E funcionou.
O Estado Nacional era um estado aristocrático (dos nobres) montado em cima do absolutismo real (o rei era um nobre) e na parceria desse rei com a nobreza.
Povo e burguesia (não confundam os dois) ficaram num patamar abaixo.
A burguesia não se iludiu, porém, aceitou o jogo que naquele momento histórico lhe favorecia, pois era preferível o despotismo do o rei único do que o poder esfarelado e compartilhado por vários nobres.
Já o povo, esse sim, foi iludido.
Homens das letras como Jean Bodin e Jacques Boissue foram fundamentais para a criação dessa ilusão divulgando idéias de “direito divino” do rei.
Como questionar a autoridade do Rei sem questionar a vontade de Deus?
Dessa forma, o pobre era submetido às piores privações e obrigações (como pagar impostos enquanto os ricos não pagavam) porque acreditavam fazer parte dos interesses do rei.
Eram infelizes tanto quanto seus avós no feudalismo, mas faziam parte.
Pobres até ganharam um nome bonitinho... súditos. Todos, independente da classe social, eram súditos do Rei.
Mas, as relações burguesia e rei se deterioraram com o tempo e chegou o momento, nos séculos XVII e XVIII, que a burguesia resolveu assumir o poder, nascendo, o estado burguês.
As Revoluções Inglesas e a Revolução Francesa fazem parte desse momento.
Movimentos encantadores de luta pela liberdade e igualdade, na verdade, ápice da ilusão de fazer parte.
Forjou-se a idéia de que o povo (e não a burguesia) assumia o poder cortando a cabeça do rei tirano.
Iluministas como Rosseau e Voltaire deram vida a conceitos como “igualdade” no caldeirão que deu origem ao sistema mais discriminador de todos os tempos, o capitalismo.
Todos os homens são iguais perante a Lei, ilusão.
Os governos devem governar visando o bem comum.
Ilusão.
Igualdade, liberdade, fraternidade.
Ilusões.
A democracia burguesa é um castelo de cartas marcadas.
Nenhum sistema excluiu mais do que o capitalismo.
A liberdade foi apenas do investimento já que o Rei absolutista perdeu o poder de decidir sobre economia.
Já a igualdade foi só da concorrência liberal.
O mundo é dos espertos dizia minha filósofa vó.
Quem pode mais chora menos, diz a cultura popular.
A corrupção dos outros não é a minha, diz a consciência amestrada que reflete o fazer parte sem fazer parte.
Talvez esse faz de conta seja o início da explicação necessária para se entender porque mais de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos, ou porque 20% da população sofre de depressão crônica, ou porque milhões se drogam e morrem numa outra forma de suicídio.
Diante de uma realidade que enquanto submete milhões à condições miseráveis mantém os privilégios de poucos, que discrimina e exclui com enorme facilidade, resta a pergunta difícil, mas inevitável:
Afinal, fazemos parte do que?
Prof. Péricles
sábado, 20 de fevereiro de 2016
A NECESSIDADE DE FAZER PARTE
O ser humano é um ser gregário, um animal social.
Seu instinto de sobrevivência o obrigou desde o início das eras a conviver em bandos como forma de superar o medo e suas próprias limitações.
Animal acanhado, lento tanto na terra como na água, desajeitado para subir nas árvores, mais fraco até do que um chipanzé, pouco enxerga e ouve mal.
Parecia uma sacanagem da natureza e candidato natural ao extermínio.
Mas, a capacidade de raciocinar, mesmo primitiva e insipiente, somada ao instinto de sobrevivência o fez grupal, e dessa união surgiu a força para prosseguir, não virar jantar e, ao contrário, tornar-se o maior predador da face da Terra.
Porém, viver em grupo tem seu preço.
Ao viver em grupo ele ganha muito, mas também perde.
Talvez, sua maior perda seja a sua liberdade natural, radical e plena, assumindo a liberdade relativa que o viver em grupo lhe permite.
Ingenuamente alguns dizem que são livres. Não o são. São relativamente livres em função direta com as leis que regulam sua vida.
Outro preço caro a ser pago é a rebeldia, o sentimento de inutilidade ou de insuficiência, já que, em essência, a inteligência o torna questionador.
Nenhuma formiga obreira jamais parou pra pensar se é justo o trabalho que faz para o bem do formigueiro.
Nenhum zangão, até hoje, botou as mãozinhas na cintura e perguntou se ele é apenas um objeto sexual.
Os animais irracionais gregários, como abelhas, formigas, cupins, pinguins, elefantes, etc. não raciocinam, não possuem consciência, muito menos simpatias ou antipatias. Vivem e apenas vivem, multiplicam-se e morrem.
Outro problema a destacar é que o homem não gosta nem confia nos outros homens.
O homem se suporta, mas não se gosta.
Uma prova? O casamento e o surgimento da família.
A família se origina na união de apenas duas pessoas e é a tentativa humana de criar um grupo privado e suportável dentro do grupão social e insuportável.
Também foi aqui que surgiu o machismo, pois é onde o homem pode exerce seu poder, aquele mesmo que lhe é negado no grupão e impor a autoridade que lá fora não tem.
Mas, voltando ao grande grupo, essa característica gregária da espécie cria a sensação de que o que importa é “fazer parte”.
As maiores dores humanas nascem do sentimento de não “fazer parte”.
A solidão é o sentimento de não fazer parte de nada.
A paixão é a tentativa de fazer parte das necessidades do outro.
As drogas nascem também disso tudo.
O dependente químico geralmente se vê como um estranho no ninho.
Quanto mais o grupo o rejeita, critica e abomina mais ele deixa de fazer parte.
Para o dependente químico o grande grupo vai progressivamente perdendo seu encanto e ele sente-se no céu da liberdade, enquanto na fase inicial do consumo da droga, e no inferno da solidão e da morte, na fase final da dependência.
É por isso que o tratamento para a maior parte de nossas doenças sociais como drogas, preconceito e ódio é a política de inclusão e não a exclusão ou repressão.
O que o homem mais teme não é a morte, é a rejeição.
Ser rejeitado é o oposto do “fazer parte”.
Prof. Péricles
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
A INCÔMODA PRESENÇA DOS INDÍGENAS NO BRASIL
Por José Ribamar Bessa Freire
O assassinato do bebê Kaingang é um entre os muitos cometidos contra os indígenas
Embora estarrecidos, temos de admitir que pertencemos à mesma família humana do jovem que degolou o bebé Kaingang de dois anos na rodoviária de Imbituba (SC).
Compartilhamos, envergonhados, a mesma identidade nacional do suspeito do crime, Matheus Silveira, o Teto, 23 anos, que está preso.
Já para a Polícia, esse é apenas o caso de um “usuário de drogas, que sofre de distúrbios mentais“. Será?
O delegado ouviu familiares e ex-colegas do Colégio Caic. Não concluiu o inquérito, mas já adiantou não ter visto conotação racista no crime, embora admita que o assassino estava “incomodado com a presença dos indígenas no local“.
Parece legítimo ir além do fato policial ou do diagnóstico médico e indagar a origem de tal incômodo. Para isso, convém identificar o lugar do índio na sociedade nacional, na visão do brasileiro médio, o que é definido na fala e no silêncio, nas ações e omissões de entidades como escola, mídia, museu, família, igreja, partidos políticos, associações de classe, tribunais, polícia, monumentos e até nas comemorações que definem o que deve ser lembrado ou esquecido.
A presença incômoda do índio não é só na rodoviária, mas no âmbito nacional.
Isso foi explicitado, em 1900, pelo presidente da Comissão do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, o engenheiro Paulo de Frontin. No discurso oficial de abertura, ele falou como representante da nação:
“O Brasil não é o índio; os selvícolas, esparsos, ainda abundam nas nossas majestosas florestas e em nada diferem dos seus ascendentes de 400 anos atrás; não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los”.
Não houve qualquer contestação à proposta anunciada diante do cardeal que celebrou missa campal na Praia do Russell. Afinal, sem índios, suas terras ficam disponíveis no mercado.
O Estado neobrasileiro assumia desta forma, a política colonial que originou no continente americano a “maior catástrofe demográfica da história da humanidade”, segundo os demógrafos da Escola de Berkeley, que calculam em 10 milhões a população indígena, em 1500, no território que é hoje o Brasil.
No primeiro século de colonização houve 90% de despovoamento, segundo W. Borah, com refinados métodos de análise.
Uma carta, de 5 de janeiro de 1654, do vigário do Pará, cônego Manoel Teixeira, de 70 anos, escrita no leito de morte, calcula que “mais de dois milhões de índios de mais de quatrocentas aldeias” foram extintos “a trabalho e a ferro”. Seu autor confessa “grandes injustiças e crueldades contra os índios“, povoações incendiadas, “tirando-os de suas terras com enganos”.
Como qualquer documento histórico, este deve ser submetido à crítica, mas não pode ser ignorado, como querem os que o acusam de “vitimismo” ou de “fantasioso”.
Pesquisa do Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) avaliou o papel da escola, da mídia e de outras instituições na imagem que os brasileiros têm dos índios.
Foram mais de 200 entrevistas com pessoas que nunca visitaram uma aldeia, mas têm opinião firme sobre o lugar dos índios no Brasil. Para um deles, com curso universitário concluído, os índios são “preguiçosos”, “bêbados”, “entrave para o progresso”, “um câncer que deve ser extirpado do Brasil”.
O curioso é que essa imagem não coincide com a da própria mãe do entrevistado, dona de casa com apenas o ensino fundamental.
Algumas respostas nos permitiram verificar que o preconceito se manifesta, talvez com mais força, naquelas pessoas com escolaridade avançada, que tem mais acesso à mídia. Se isso se confirma, quanto mais escola e mais mídia, maior é o preconceito.
Esse é um dado a ser pensado no momento em que se discute a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e se pretende abrir uma brecha para a história indígena, tradicionalmente ausente da escola.
Uma oposição histérica berra na mídia: – E a Mesopotâmia? E o Egito? – como se fossem temas incompatíveis.
O silêncio cúmplice da escola e de parte da mídia evidencia que o discurso de Paulo de Frontin continua sustentando ideologicamente a virulência.
No confronto entre os que não podem esquecer e os que não querem lembrar, é preciso construir “outro tipo de memória”, como quer Boaventura Santos.
José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio).
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
ATIRE A PRIMEIRA PEDRA
Diante de um considerável público, uma mulher acusada de adúltera e prática de prostituição é levada até ele. O pregador é questionado sobre ser correta ou incorreta a aplicação da pena de morte por apedrejamento.
Todos conhecem o final da história.
Sem se abalar Jesus concorda com a execução, desde que tivesse coragem de atirar a primeira pedra aquele que jamais tivesse errado.
Segundo os evangelistas, um a um, os “ávidos por justiça” foram jogando suas pedras ao chão e se retirando cabisbaixos.
Por fim Jesus libera a mulher e pede que ela se cuide.
Essa belíssima história (segundo alguns acrescentada aos evangelhos apenas no século IV ou V) apresenta inúmeros pontos para reflexão.
O principal deles é de que existe uma relação direta entre a aplicação da justiça e a condição moral de quem a exige, seja indivíduo ou coletivo.
Aplicando essa moral aos tempos modernos, especialmente à questão política do Brasil seremos obrigados a concluir que poucos poderiam atirar a primeira pedra.
Todos costumam lamentar as consequências, mas poucos sejam pessoas ou instituições podem jogar a primeira pedra nos artífices do golpe militar, por exemplo.
O STF foi do “lavo as mãos” à cumplicidade.
A mídia, em ampla maioria, não só não usou seu enorme poder para defender a democracia como ainda apoiou e, de certa forma, exigiu que o golpe fosse dado, além de calar sobre o arbítrio e a violência que se seguiu.
O cidadão comum preferiu fazer de conta que o problema não era dele, pois que, ao cidadão “de bem” bastaria cumprir suas obrigações e tocar sua vida adiante.
Algo muito parecido ocorre com a questão da corrupção, atualmente.
Falsos escandalizados (como falsos eram os que utilizavam os serviços das prostitutas no privado e depois defendiam suas execuções em público) clamam contra a corrupção como se ela tivesse aparecido só agora, como uma grande novidade.
Acusam políticos, partidos, autoridades, o clima e o carnaval, a chuva, e negam sua contribuição para o caos, como se fossem alheios as causas.
Clamam por justiça como se não fizessem parte do jogo.
De forma hipócrita, boa parte de nossa população e a mídia “esquece” que a corrupção é tão antiga quanto o próprio Brasil.
Portugal era conhecido no século XVI como o Estado mais corrupto da Europa e esse mesmo Estado colonizou o Brasil fiel às suas próprias condições éticas.
A construção de Salvador, primeira capital do Brasil, inaugurada em 1549, custou mais que o dobro do que o Rei tinha calculado inicialmente, culpa do superfaturamento, desvio de verbas e outras diabruras.
D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil e poderosa voz política nos nossos primeiros anos, veio pra cá porque o Papa simplesmente não sabia mais como controlar seus atos corruptos.
Duarte da Costa segundo governador-geral do Brasil foi preso ao colocar os pés em terra na volta para Portugal, acusado de inúmeros ilícitos aqui na colônia.
Corrompemos os índios para roubar suas terras, os africanos para que vendessem seus iguais como escravos, e muitos imigrantes trazidos para a atividade agrícola como meeiros, mas submetidos a uma situação de quase escravidão.
Negociamos nas sombras para destruir um país, o Paraguai, e repartir seus despojos, no século XIX, da mesma forma que corrompemos o presidente da Bolívia para se apoderar do Acre no início do século XX.
O voto de cabresto, os currais eleitorais, o voto de mortos, foram usados à exaustão por décadas.
Recebemos dinheiro ilícito do contribuinte norte-americano para construir Volta Redonda e deixamos ricos os militares da ditadura paraguaia para construir Itaipu se apoderando de uma energia barata e sacaneando a Argentina.
O brasileiro médio se indigna quando alguém tenta corromper sua filha, mas, tenta corromper as filhas dos outros o tempo todo.
Vota em corrupto e depois faz caras e bocas como se o congresso fosse eleito por alienígenas.
Se diz malandro e acredita no “jeitinho brasileiro” quando isso lhe interessa.
Não, de forma alguma se está a defender a corrupção.
Todo ato corrupto é violento de alguma forma e injusto por natureza.
Jamais se fará do ilícito um ato lícito.
Se diz malandro e acredita no “jeitinho brasileiro” quando isso lhe interessa.
Não, de forma alguma se está a defender a corrupção.
Todo ato corrupto é violento de alguma forma e injusto por natureza.
Jamais se fará do ilícito um ato lícito.
Toda corrupção deve ser castigada, mas toda corrupção, mesmo, não só a do outro.
Para começar deveríamos questionar é, quem afinal, pode realmente jogar a primeira pedra?
O combate à corrupção, da mesma maneira que o mestre propôs ao combate à prostituição de seu tempo, se dá pela transformação íntima de cada um e da superação de suas fraquezas, muito mais do que pela repressão e o dedo em riste que aponta para o outro.
Antes de qualquer coisa devemos combater a nossa própria corrupção.
Prof. Péricles
Para começar deveríamos questionar é, quem afinal, pode realmente jogar a primeira pedra?
O combate à corrupção, da mesma maneira que o mestre propôs ao combate à prostituição de seu tempo, se dá pela transformação íntima de cada um e da superação de suas fraquezas, muito mais do que pela repressão e o dedo em riste que aponta para o outro.
Antes de qualquer coisa devemos combater a nossa própria corrupção.
Prof. Péricles
sábado, 13 de fevereiro de 2016
A ASSOMBRAÇÃO BERNIE SANDERS
Por José Inácio Werneck
Ele está para completar 75 anos, é meio careca e o que resta de seus cabelos brancos está sempre despenteado, é um pouco curvado, usa óculos, é um judeu casado com uma católica, diz não ser “particularmente religioso”, admira o Papa Francisco, seu pai era um imigrante pobre da Polônia, sua mãe nasceu nos Estados Unidos filha também de imigrantes pobres, um da Rússia e outro da Polônia, tem um irmão que emigrou para a Inglaterra e virou político lá, viveu em um kibutz em Israel mas opõe-se à política do Primeiro-Ministro israelense Benjamim Netanyahu, foi desde o início contra a invasão do Iraque, defende o direito ao divórcio e ao casamento gay, declara-se socialista – e atrai multidões a seus comícios.
Este é Bernie Sanders, o homem que vem povoando os pesadelos de Hillary Clinton na campanha das primárias democráticas para a eleição presidencial dos Estados Unidos, no próximo mês de novembro.
O fenômeno Bernie Sanders entre os democratas explica-se um pouco como o fenômeno Donald Trump entre os republicanos: ambos passam, a seu modo, uma imagem de autenticidade que falta a seus concorrentes nos dois partidos.
Trump é um bilionário que resolveu explorar os sentimentos menos generosos do povo americano – e encontrou eco entre um eleitorado esmagadoramente branco e carregado de preconceitos contra imigrantes hispânicos, negros, muçulmanos e outras minorias raciais ou religiosas.
Sanders apela para os sentimentos mais generosos do povo americano.
Ele foi criado no bairro de Brooklyn, na cidade de Nova York, mudou-se para o estado de Vermont, de tradições liberais, e lá fez carreira política, primeiro como prefeito, depois deputado e por fim senador. Um senador independente, nem afiliado ao Partido Democrata nem ao Partido Republicano, mas com uma história de votos sempre alinhados com os democratas.
Ele não se filiou ao Partido Democrata, embora agora queira ser seu candidato, porque na verdade se considerava e ainda se considera um socialista.
Não um socialista do tipo “o petróleo é nosso”, mas socialista, como ele mesmo explica, porque nos Estados Unidos há instituições sociais, como o Social Security, Medicare e Medicaid, que precisam ser defendidas do constante ataque da direita representada pelo Partido Republicano.
Um socialista porque defende o Plano de Saúde implantado pelo Presidente Barack Obama, conhecido como Obamacare, e que, mais, quer aprimorá-lo, transformando-o em um National Health Service – Assistência Médica governamental – como existe no Reino Unido, Dinamarca e outros países europeus.
Mais: Bernie Sanders quer educação universitária gratuita, garantida pelo governo.
Nada disto poderá acontecer se os bilionários nos Estados Unidos não passarem a pagar mais impostos.
É contra os bilionários, aqueles a quem ele chama de 1%, que se desenvolve a campanha de Bernie Sanders.
Poucos acreditavam que ele pudesse ser escolhido como o candidato democrata. Agora há quem julgue isto possível, embora tal opinião seja ainda minoria entre os comentaristas políticos.
O argumento sempre apresentado contra Bernie Sanders é que, se ele viesse a ser eleito, nada poderia realizar, pois bateria de frente com uma Câmara de Deputados e um Senado dominado pelos republicanos.
A isto Bernie Sanders responde que, se for eleito, será em consequência de uma “revolução política” que alterará também a composição da Câmara e do Senado e, mesmo que não a altere, terá enviado uma “mensagem” que os republicanos serão obrigados a aceitar, embora a contragosto.
O fato é que, com uma regularidade espantosa, Bernie Sanders vem arrastando multidões de 20 e 30 mil pessoas a seus comícios por todo o país – algo com que Hillary Clinton nem ousa sonhar.
Hillary, franca favorita a ser escolhida a candidata democrata em 2008, encontrou um obstáculo inesperado e irresistível num filho de um imigrante pobre, de cor negra, chamado Barack Obama.
Agora, ainda em sua tentativa de ser a primeira mulher a ser eleita para a presidência dos Estados Unidos, encontra também um obstáculo inesperado em outro filho de imigrante pobre. Não de cor negra, mas judeu.
Os Estados Unidos nunca tinham eleito um presidente negro e nunca elegeram um presidente judeu.
Será Sanders tão irresistível para Hillary quanto Obama foi?
José Inácio Werneck, jornalista e escritor, é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
O MAIOR JORNALISTA BRASILEIRO
Cipriano Barata |
Por Appólo Natali
Um jornalista baiano é, até hoje, considerado exemplo de independência dentro da profissão.
Tanto ele como seu implacável perseguidor, D. Pedro I, morreram em 1838, um aqui, outro na Europa.
Ao final da vida tormentosa dos dois, se D. Pedro I tivesse alguma coisa ainda a dizer, diria: dominei-o com 11 anos de masmorras e uma prisão perpétua.
Foi assim: no tempo em que era crime não se ajoelhar e beijar as mãos do imperador, o baiano virou-lhe as costas durante sua visita à masmorra, o que lhe valeu a pena de prisão perpétua.
O baiano defendia o fim da tortura praticada por bagatela pelos dominadores e exigia a abolição de seus instrumentos.
E se tivesse ainda alguma coisa a dizer, o que diria o baiano? Eu o derrubei do trono, tirano – chamava-o de tirano – depois da minha libertação fui à Bahia como emissário da conjura pela Abdicação.
Uma das primeiras lideranças políticas de amplitude nacional que se forjou no imediato período pré e pós-Independência, ele foi, na Colônia, no Império e na Regência, temido, prestigiado e perseguido líder, incansável e intransigente combatente da opressão lusitana.
Incendiou a Bahia com a guerra de guerrilha para expulsar os portugueses da Província, então dominada pelas forças do brutal general Madeira.
Foi ativista e participante de históricas revoltas regionais que se espalharam pelo Brasil contra a tirania portuguesa, durante a Colônia, Império e Regência.
Proclamava-se um liberal que açoita a tirania e defende a pátria.
Sempre acusado de pregar a Republica. Há 200 anos defendia eleições diretas para os presidentes das províncias. A abolição dos escravos, que aconteceu em 1888, ele a queria para 1860.
Um dos fundadores do jornalismo político no Brasil.
Deputado pelo Brasil nas Cortes, em Lisboa, sustentou com valentia verbal e física a causa da liberdade.
Atracou-se e derrubou um marechal português no plenário durante defesa que fazia dos interesses brasileiros e do direito de cidadania dos escravos. O Marechal rolou pelas escadas. Fugiu para a Inglaterra.
O baiano indignou-se com a afirmação do padre Diogo Feijó, Regente de um governo forte e centralizador, de que o brasileiro não foi feito para a desordem, que o seu natural é o da tranquilidade. Esse termo docilidade aplicado aos brasileiros, disse o baiano, é como dizer brasileiro ovelha mansa, que trabalha como burro para pagar tributos em benefício dos satélites do governo.
Era médico. E jornalista.
Em meio aos ferros de tortura e insetos peçonhentos, nas várias masmorras inundadas, fétidas, sem ar e calor abrazador onde era aprisionado, o baiano editava seus jornais e distribuía para todo o Brasil.
Dizem que com a ajuda de sociedades secretas que almejavam a Independência.
Sentinela da Liberdade era o título de seu jornal, com o nome do Forte ou masmorra onde estava preso e o brado: Alerta!
Em 9 de abril de 1823, uma quarta-feira, nasceu o número 1, Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta!
O último Sentinela, do total de 66 exemplares que editou, saiu em dezembro de 1835, em Recife.
Foram doze anos do denominado jornalismo do cárcere, como é conhecida sua atuação como jornalista.
O médico Bezerra de Menezes, nome sempre citado pelos espíritas hoje, dirigiu um Sentinela da Liberdade, no Rio de Janeiro.
O baiano indignou-se com a afirmação do padre Diogo Feijó, Regente de um governo forte e centralizador, de que o brasileiro não foi feito para a desordem, que o seu natural é o da tranquilidade. Esse termo docilidade aplicado aos brasileiros, disse o baiano, é como dizer brasileiro ovelha mansa, que trabalha como burro para pagar tributos em benefício dos satélites do governo.
Era médico. E jornalista.
Em meio aos ferros de tortura e insetos peçonhentos, nas várias masmorras inundadas, fétidas, sem ar e calor abrazador onde era aprisionado, o baiano editava seus jornais e distribuía para todo o Brasil.
Dizem que com a ajuda de sociedades secretas que almejavam a Independência.
Sentinela da Liberdade era o título de seu jornal, com o nome do Forte ou masmorra onde estava preso e o brado: Alerta!
Em 9 de abril de 1823, uma quarta-feira, nasceu o número 1, Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta!
O último Sentinela, do total de 66 exemplares que editou, saiu em dezembro de 1835, em Recife.
Foram doze anos do denominado jornalismo do cárcere, como é conhecida sua atuação como jornalista.
O médico Bezerra de Menezes, nome sempre citado pelos espíritas hoje, dirigiu um Sentinela da Liberdade, no Rio de Janeiro.
Exilados publicaram em 1825, na Inglaterra, o Sentinela da Liberdade na Guarita de Londres, como suplemento do Sunday Time.
Não receberei anúncios sobre venda de escravos porque minha gazeta não é leilão nem capitão do mato, ironizava.
O historiador Pedro Calmon o vê como um dos grandes seres que passaram pela Terra. Disse dele o historiador Nelson Werneck Sodré, que poucos fizeram tanto pela nossa Independência quanto esse baiano que, ainda no Brasil Colônia, já conheceria as amarguras do cárcere por sonhar com nossa liberdade política.
Sentinela da Liberdade foi uma epopéia da imprensa brasileira, um dos momentos supremos da vida da imprensa brasileira, um dos marcos na luta pela nossa liberdade, diz Sodré.
Para intimidar os dominadores daquele Brasil cativo, muitos escreviam nas portas de suas casas: Barata.
Quem, além de Cypriano Jozé Barata de Almeida (era com “z” que se escrevia), pode ser considerado o maior jornalista brasileiro de todos os tempos?
Apollo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde.
Não receberei anúncios sobre venda de escravos porque minha gazeta não é leilão nem capitão do mato, ironizava.
O historiador Pedro Calmon o vê como um dos grandes seres que passaram pela Terra. Disse dele o historiador Nelson Werneck Sodré, que poucos fizeram tanto pela nossa Independência quanto esse baiano que, ainda no Brasil Colônia, já conheceria as amarguras do cárcere por sonhar com nossa liberdade política.
Sentinela da Liberdade foi uma epopéia da imprensa brasileira, um dos momentos supremos da vida da imprensa brasileira, um dos marcos na luta pela nossa liberdade, diz Sodré.
Para intimidar os dominadores daquele Brasil cativo, muitos escreviam nas portas de suas casas: Barata.
Quem, além de Cypriano Jozé Barata de Almeida (era com “z” que se escrevia), pode ser considerado o maior jornalista brasileiro de todos os tempos?
Apollo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde.
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