por Frei Betto
Preconceitos, como mentiras, nascem da falta de informação (ignorância) e excesso de repetição. Se pais de uma criança branca se referem em termos pejorativos a negros e indígenas, judeus e homossexuais, dificilmente a criança, quando adulta, escapará do preconceito.
A mídia incutiu no Ocidente o sofisma de que todo muçulmano é um terrorista em potencial. O que induziu o papa Bento XVI a cometer a gafe de declarar, na Alemanha, que o Islã é originariamente violento e, em sua primeira visita aos EUA, comparecer a uma sinagoga sem o cuidado de repetir o gesto numa mesquita.
Em qualquer aeroporto de países desenvolvidos um passageiro em trajes islâmicos ou cujos traços fisionômicos lembrem um saudita, com certeza será parado e meticulosamente revistado. Ali reside o perigo... alerta o preconceito infundido.
Ora, o terrorismo não foi inventado pelos fundamentalistas islâmicos. Dele foram vítimas os árabes atacados pelas Cruzadas e os 70 milhões de indígenas mortos na América Latina, no decorrer do século 16, em decorrência da colonização ibérica.
O maior atentado terrorista da história não foi a queda, em Nova York, das torres gêmeas, há 10 anos, e que causou a morte de 3 mil pessoas. Foi o praticado pelo governo dos EUA: as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Morreram 242.437 mil civis, sem contar as mortes posteriores por efeito da contaminação.
Súbito, a pacata Noruega – tão pacata que, anualmente, concede o Prêmio Nobel da Paz – vê-se palco de dois atentados terroristas que deixam dezenas de mortos e muitos feridos.
Tão logo a notícia correu mundo, a suspeita recaiu sobre os islâmicos. O duplo atentado, no gabinete do primeiro-ministro e na ilha de Utoeya, teria sido um revide ao assassinato de Bin Laden e às caricaturas de Maomé publicadas pela imprensa escandinava.
O preconceito estava entranhado na lógica ocidental.
A verdade, ao vir à tona, constrangeu os preconceituosos. O autor do hediondo crime foi o jovem norueguês Anders Behring Breivik, 32 anos, branco, louro, de olhos azuis, adepto da fisicultura e dono de uma fazenda de produtos orgânicos. O tipo do sujeito que jamais levantaria suspeitas na alfândega dos EUA. Ele "é dos nossos”, diriam os policiais condicionados a suspeitar de quem não tem a pele suficientemente clara nem olhos azuis ou verdes.
Anders é um típico escandinavo. Tem a aparência de príncipe. E alma de viking. É o que a mídia e a educação deveriam se perguntar: o que estamos incutindo na cabeça das pessoas? Ambições ou valores? Preconceitos ou princípios? Egocentrismo ou ética?
O ser humano é a alma que carrega. Amy Winehouse tinha apenas 27 anos, sucesso mundial como compositora e intérprete, e uma fortuna incalculável. Nada disso a fez uma mulher feliz. O que não encontrou em si ela buscou nas drogas e no álcool. Morreu prematuramente, solitária, em casa.
O que esperar de uma sociedade em que, entre cada 10 filmes, 8 exaltam a violência; o pai abraça o filho em público e os dois são agredidos como homossexuais; o motorista de um Porsche se choca a 150km por hora com uma jovem advogada que perece no acidente e ele continua solto; o político fica indignado com o bandido que assaltou a filha dele e, no entanto, mete a mão no dinheiro público e ainda estranha ao ser demitido?
Enquanto a diferença gerar divergência permaneceremos na pré-história do projeto civilizatório verdadeiramente humano.
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de "Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.
domingo, 7 de agosto de 2011
quinta-feira, 28 de julho de 2011
A TORTURA NO BANCO DOS RÉUS 02
Testemunhas ouvidas na tarde desta quarta-feira na 20ª Vara Cível de São Paulo afirmaram ter presenciado o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra ordenar a tortura do jornalista Luiz Eduardo Merlino. Além disso, uma testemunha disse ter visto Ustra dar a ordem, por telefone, que resultou na morte de Merlino.(entre amputar e "deixar morrer")
O jornalista, então militante do Partido Operário Comunista (POC), morreu em julho de 1971 depois de ser submetido a dois dias de tortura nos porões do Departamento de Operações e Informações (DOI Codi), em São Paulo.
Segundo ex-companheiros de prisão, ele morreu em um hospital em decorrência de gangrena em uma das pernas, causada pela tortura. Os torturadores teriam proibido os médicos de amputarem a perna gangrenada, o que teria levado à morte de Merlino. Já os militares alegam que ele foi atropelado quando tentou fugir durante uma excursão de reconhecimento de aparelhos na avenida Anchieta.
Testemunhas que atestaram ordens de tortura dadas pelo coronel Ustra foram ouvidas na tarde desta quarta-feira, em São Paulo Ustra, na época major do Exército, comandou o DOI Codi entre 1970 e 1974, período em que cerca de 55 pessoas foram assassinadas e outras 700 torturadas no local. A família de Merlino move uma ação indenizatória por danos morais contra o coronel. Ustra, por meio do advogado Paulo Esteves, negou ter participado ou ordenado a tortura de Merlino.
A testemunha Eleonora Oliveira, ex-companheira de militância do jornalista, disse que particiou de uma sessão de tortura comandada por Ustra ao lado de Merlino. “Eu estava na cadeira do dragão e o Merlino no pau-de-arara. O Ustra entrou e saiu umas duas ou três vezes. Era ele que ordenava tudo”, disse ela.
Já Otacílio Cechini, que estava preso no mesmo local, disse que viu Ustra atender ao telefonema do agente que acompanhava Merlino no hospital. “Ouvi quando Ustra disse ao telefone que tomaria a decisão final falando: 'Deixa comigo'”, afirmou.
No total, foram ouvidas seis testemunhas de acusação. Entre elas o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, hoje assessor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Instituto Cidadania.
Vanuchi disse ter visto Merlino sendo carregado no DOI Codi. “Vi um rapaz sendo levado em uma escrivaninha até o corredor. Ele ficou a menos de um metro da grade da minha cela. Perguntei o nome, ele disse Merlino e ainda repetiu porque eu não tinha entendido direito. Eu era estudante de medicina e percebi que a perna dele estava já escurecida, com sinal de gangrena”, disse o ex-ministro.
Vannuchi disse também ter sido torturado pessoalmente por Ustra quando ele e outros 40 presos políticos fizeram uma greve de fome, em 1972, pedindo tratamento digno. “Na ocasião foram levados dois presos, eu e Paulo de Tarso Venceslau (um dos sequestradores do embaixador norte-americano Charles Elbrick) e o Ustra comandou aquela sessão com objetivo não de falarmos sobre nossos companheiros mas de nos obrigar a parar a greve de fome”, afirmou.
Um grupo de aproximadamente 100 pessoas fez um protesto na porta do Fórum João Mendes, onde ocorreu a audiência. A manifestação se transformou em um ato pela criação da Comissão da Verdade e pela punição aos torturadores.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha descartado rever a Lei da Anistia, Vannuchi disse ainda acreditar que a Corte reveja a decisão. “O STF terá que apreciar mais uma vez a questão em vista de uma decisão posterior da Corte Interamericana de Direitos Humanos (que condenou a não punição aos torturadores no Brasil). É comum que a Justiça reveja ou reinterprete a jurisprudência”, disse ele.
Os próximos passos do processo serão as oitivas das testemunhas de defesa de Ustra. Entre elas o senador José Sarney e o ex-ministro da Justiça Jarbas Passarinho, além de três generais da reserva.
Por Ricardo Galhardo
O jornalista, então militante do Partido Operário Comunista (POC), morreu em julho de 1971 depois de ser submetido a dois dias de tortura nos porões do Departamento de Operações e Informações (DOI Codi), em São Paulo.
Segundo ex-companheiros de prisão, ele morreu em um hospital em decorrência de gangrena em uma das pernas, causada pela tortura. Os torturadores teriam proibido os médicos de amputarem a perna gangrenada, o que teria levado à morte de Merlino. Já os militares alegam que ele foi atropelado quando tentou fugir durante uma excursão de reconhecimento de aparelhos na avenida Anchieta.
Testemunhas que atestaram ordens de tortura dadas pelo coronel Ustra foram ouvidas na tarde desta quarta-feira, em São Paulo Ustra, na época major do Exército, comandou o DOI Codi entre 1970 e 1974, período em que cerca de 55 pessoas foram assassinadas e outras 700 torturadas no local. A família de Merlino move uma ação indenizatória por danos morais contra o coronel. Ustra, por meio do advogado Paulo Esteves, negou ter participado ou ordenado a tortura de Merlino.
A testemunha Eleonora Oliveira, ex-companheira de militância do jornalista, disse que particiou de uma sessão de tortura comandada por Ustra ao lado de Merlino. “Eu estava na cadeira do dragão e o Merlino no pau-de-arara. O Ustra entrou e saiu umas duas ou três vezes. Era ele que ordenava tudo”, disse ela.
Já Otacílio Cechini, que estava preso no mesmo local, disse que viu Ustra atender ao telefonema do agente que acompanhava Merlino no hospital. “Ouvi quando Ustra disse ao telefone que tomaria a decisão final falando: 'Deixa comigo'”, afirmou.
No total, foram ouvidas seis testemunhas de acusação. Entre elas o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi, hoje assessor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Instituto Cidadania.
Vanuchi disse ter visto Merlino sendo carregado no DOI Codi. “Vi um rapaz sendo levado em uma escrivaninha até o corredor. Ele ficou a menos de um metro da grade da minha cela. Perguntei o nome, ele disse Merlino e ainda repetiu porque eu não tinha entendido direito. Eu era estudante de medicina e percebi que a perna dele estava já escurecida, com sinal de gangrena”, disse o ex-ministro.
Vannuchi disse também ter sido torturado pessoalmente por Ustra quando ele e outros 40 presos políticos fizeram uma greve de fome, em 1972, pedindo tratamento digno. “Na ocasião foram levados dois presos, eu e Paulo de Tarso Venceslau (um dos sequestradores do embaixador norte-americano Charles Elbrick) e o Ustra comandou aquela sessão com objetivo não de falarmos sobre nossos companheiros mas de nos obrigar a parar a greve de fome”, afirmou.
Um grupo de aproximadamente 100 pessoas fez um protesto na porta do Fórum João Mendes, onde ocorreu a audiência. A manifestação se transformou em um ato pela criação da Comissão da Verdade e pela punição aos torturadores.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha descartado rever a Lei da Anistia, Vannuchi disse ainda acreditar que a Corte reveja a decisão. “O STF terá que apreciar mais uma vez a questão em vista de uma decisão posterior da Corte Interamericana de Direitos Humanos (que condenou a não punição aos torturadores no Brasil). É comum que a Justiça reveja ou reinterprete a jurisprudência”, disse ele.
Os próximos passos do processo serão as oitivas das testemunhas de defesa de Ustra. Entre elas o senador José Sarney e o ex-ministro da Justiça Jarbas Passarinho, além de três generais da reserva.
Por Ricardo Galhardo
A TORTURA NO BANCO DOS RÉUS - COMEÇOU O JULGAMENTO
Nesta quarta (27), no Fórum da Praça João Mendes, em São Paulo, a juíza Claudia de Lima Menge ouviu testemunhas de acusação arroladas pelos advogados da família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto em 1971, aos 23 anos. Ustra não compareceu à audiência.
Entre as testemunhas de defesa arroladas por Ustra estavam o atual presidente do Senado, José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro.
Essa segunda ação se refere a danos morais e foi movida pela irmã de Merlino, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela ex-companheira do jornalista, Angela Mendes de Almeida. “É uma luta que estamos travando há muito tempo. Chegar até aqui é uma vitória”, disse Angela.
A imprensa não cobriu a sessão, ninguém, além de advogados e depoentes, foi autorizado a ouvir as declarações, nem a família Merlino. A pequena sala da audiência declarou-me depois uma fonte, mal comportava quatro pessoas.
Longe da sala de audiência, uma multidão tomou a praça e fez um ato contra a ditadura e suas mortes. Maria Amélia de Almeida Teles, uma militante que participou da guerrilha do Araguaia, durante o período da ditadura militar, estava ao lado dos manifestantes e do marido, César, com o filho, Edson.
Com a Lei de Anistia, de 1979, Amelinha, como é mais conhecida, conta que a pergunta de todos os que perderam parentes com a repressão ficou no ar: “Onde estão nossos desaparecidos?”
Deixei a praça e subi até o nono andar, voltei ao prédio e ao corredor da espera. Leane Almeida, testemunha, estava saindo. Calculei rapidamente a idade, 40 anos depois da prisão, aos 21, ela está com 61 anos. Não aparenta: “Eu fui presa no mesmo dia em que o Merlino, o Major comandou pessoalmente as torturas que eu sofri, ele dava ordens aos gritos, todo mundo escutava as sessões de tortura. Ele esteve presente em toda a Operação Bandeirantes, coordenando equipes e acompanhando interrogatórios”.
Pergunto sobre as torturas, ela conta que foi a primeira militante da ALN a ser presa e torturada. O coronel queria os nomes dos membros de seu grupo. Quando o Merlino chegou, Liane foi liberada da tortura e encaminhada para uma cela, onde ficou presa um ano e meio.
Ela diz que Merlino morreu porque não resistiu aos quatro dias de tortura ininterrupta. Viu, do primeiro andar onde estava presa, a retirada de Merlino do Doi-Codi: “O corpo dele estava inerte, acho que ainda não tinha morrido. O Ustra dava as ordens e a sua equipe jogou o corpo no porta-malas de um carro, que partiu”.
Liane para e se emociona, explica: “A memória é do corpo, não passa”.
Continuou: “Uma certeza tenho, no estado em que Merlino saiu da prisão ele não teria condições de correr para nenhum lugar, só para o paraíso”.
Liane se prepara para ir embora, finaliza: “Agora dependemos da Comissão Verdade e Justiça, como na Argentina e em outros países, ela tem mesmo que pactuar com a verdade e fazer justiça. Estamos escrevendo aqui, hoje, a história do Brasil, se haverá justiça ou não, dependerá de outros”.
A partir daqui, um funcionário do Fórum e um policial nos expulsam do andar, pedem que o grupo siga para o elevador. Daí um jovem que se declara "estudante" faz perguntas provocativas para um dos depoentes, o homem, já idoso e claramente sofrido, responde em voz grossa, alta, diz que a ditadura acabou e que não aceitará provocações.
Todos, no elevador, após a porta fechar e o silêncio voltar, afirmam que esses que se dizem "estudantes" são policiais disfarçados, querendo causar tumulto. Torço para que eles só tumultuem e não interfiram na briga pela punição dos torturadores, luta antiga e de todos, mas principalmente dos herdeiros da ditadura, futuros líderes desse país.
Por Christiane Marcondes
Entre as testemunhas de defesa arroladas por Ustra estavam o atual presidente do Senado, José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro.
Essa segunda ação se refere a danos morais e foi movida pela irmã de Merlino, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela ex-companheira do jornalista, Angela Mendes de Almeida. “É uma luta que estamos travando há muito tempo. Chegar até aqui é uma vitória”, disse Angela.
A imprensa não cobriu a sessão, ninguém, além de advogados e depoentes, foi autorizado a ouvir as declarações, nem a família Merlino. A pequena sala da audiência declarou-me depois uma fonte, mal comportava quatro pessoas.
Longe da sala de audiência, uma multidão tomou a praça e fez um ato contra a ditadura e suas mortes. Maria Amélia de Almeida Teles, uma militante que participou da guerrilha do Araguaia, durante o período da ditadura militar, estava ao lado dos manifestantes e do marido, César, com o filho, Edson.
Com a Lei de Anistia, de 1979, Amelinha, como é mais conhecida, conta que a pergunta de todos os que perderam parentes com a repressão ficou no ar: “Onde estão nossos desaparecidos?”
Deixei a praça e subi até o nono andar, voltei ao prédio e ao corredor da espera. Leane Almeida, testemunha, estava saindo. Calculei rapidamente a idade, 40 anos depois da prisão, aos 21, ela está com 61 anos. Não aparenta: “Eu fui presa no mesmo dia em que o Merlino, o Major comandou pessoalmente as torturas que eu sofri, ele dava ordens aos gritos, todo mundo escutava as sessões de tortura. Ele esteve presente em toda a Operação Bandeirantes, coordenando equipes e acompanhando interrogatórios”.
Pergunto sobre as torturas, ela conta que foi a primeira militante da ALN a ser presa e torturada. O coronel queria os nomes dos membros de seu grupo. Quando o Merlino chegou, Liane foi liberada da tortura e encaminhada para uma cela, onde ficou presa um ano e meio.
Ela diz que Merlino morreu porque não resistiu aos quatro dias de tortura ininterrupta. Viu, do primeiro andar onde estava presa, a retirada de Merlino do Doi-Codi: “O corpo dele estava inerte, acho que ainda não tinha morrido. O Ustra dava as ordens e a sua equipe jogou o corpo no porta-malas de um carro, que partiu”.
Liane para e se emociona, explica: “A memória é do corpo, não passa”.
Continuou: “Uma certeza tenho, no estado em que Merlino saiu da prisão ele não teria condições de correr para nenhum lugar, só para o paraíso”.
Liane se prepara para ir embora, finaliza: “Agora dependemos da Comissão Verdade e Justiça, como na Argentina e em outros países, ela tem mesmo que pactuar com a verdade e fazer justiça. Estamos escrevendo aqui, hoje, a história do Brasil, se haverá justiça ou não, dependerá de outros”.
A partir daqui, um funcionário do Fórum e um policial nos expulsam do andar, pedem que o grupo siga para o elevador. Daí um jovem que se declara "estudante" faz perguntas provocativas para um dos depoentes, o homem, já idoso e claramente sofrido, responde em voz grossa, alta, diz que a ditadura acabou e que não aceitará provocações.
Todos, no elevador, após a porta fechar e o silêncio voltar, afirmam que esses que se dizem "estudantes" são policiais disfarçados, querendo causar tumulto. Torço para que eles só tumultuem e não interfiram na briga pela punição dos torturadores, luta antiga e de todos, mas principalmente dos herdeiros da ditadura, futuros líderes desse país.
Por Christiane Marcondes
quarta-feira, 27 de julho de 2011
A TORTURA NO BANCO DOS RÉUS
Na noite de 15 de julho de 1971 o jornalista Luiz Eduardo Merlino dormia na casa de sua mãe, em Santos. Houve uma invasão violenta e três agentes do DOI-CODI armados com metralhadoras penetraram naquele lar deixando em pânico a mãe e a irmã enquanto davam voz de prisão ao jornalista. Tentando acalma-las ele beijou a ambas e disse que logo estaria de volta.
Nunca mais voltou.
Luiz Eduardo sabe-se por depoimento do único preso político que assistiu ao suplício, Guido Rocha, foi torturado sem folga, por 24 horas, havendo, inclusive, um revezamento entre os torturados em suas três turmas de 8 horas “de trabalho”.
Ao ser jogado na solitária já não sentia as pernas e teve que ser carregado por Guido até a privada.
Seu estado era tão preocupante que na manhã seguinte, 17 de julho, um enfermeiro foi chamado para examiná-lo. Não havia nenhuma resposta aos estímulos provocados pelo enfermeiro na planta dos pés ou nos joelhos. Além disso, tudo que ele comia, vomitava, com resquícios de sangue.
Quando o enfermeiro preparava-se para sair Merlino teve uma crise, já não sentia também os braços. O enfermeiro exigiu uma transferência urgente para o hospital. As últimas palavras que Guido ouviu foram “estou morrendo”.
No dia 20, pela manhã, o PM Gabriel contou aos presos que Merlino morrera na véspera por “problemas no coração”. Na noite desse mesmo dia D. Iracema Merlino recebeu um telefonema de um Delegado do DOPS que contou que seu filho morrera ao se jogar embaixo de um carro na BR-116 ao escapar da escolta que o levava a Porto Alegre, onde tinha ligações de militância.
Dois anos depois, ainda preso no DOI-CODI, o historiador Joel Rufino dos Santos ouviu de um de seus torturadores, que Merlino chegou muito mal ao Hospital e que de lá um médico telefonou ao DOPS (na verdade para o Coronel Carlos Alberto Ustra, chefe daquela seção) avisando que, ou amputavam suas pernas ou ele morreria. Segundo esse torturador, houve uma votação entre os homens de Ustra e a decisão foi “deixar morrer”.
Hoje, 40 anos e 8 dias depois, às 14h30min hs no Fórum João Mendes do Tribunal de Justiça de São Paulo, no centro da capital paulista teve início o histórico julgamento do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Graças a um esforço sobre-humano da família de Merlino que há anos tenta levar esse militar, responsável direto pela unidade paulista do DOI-CODI da Rua Tutóia, ao banco dos réus.
Estão lá os parentes e suas bagagens de dores. As testemunhas, Guido Rocha e Joel Rufino dos Santos pela acusação, e José Sarney (ele mesmo, o presidente do Senado), entre outros, pela defesa, que irão manter a versão absurda do suicídio.
É um momento histórico que pode ser vital por repercutir novos atos de justiça que tirem os crimes da ditadura militar debaixo do manto do anonimato.
Esperamos que lá também esteja a atenção e o interesse dos jovens brasileiros que não passaram por esses tempos cruéis, mas que necessitam conhecer um pouco mais da história de seu país.
Descanse em paz Luiz Eduardo Merlino. Você não pôde cumprir o que prometeu para sua mãe e irmã de retornar logo pra casa. Mas que seu nome, e o nome dos mortos sob tortura, possam finalmente, ocupar o lugar devido nos livros de história.
Nunca mais voltou.
Luiz Eduardo sabe-se por depoimento do único preso político que assistiu ao suplício, Guido Rocha, foi torturado sem folga, por 24 horas, havendo, inclusive, um revezamento entre os torturados em suas três turmas de 8 horas “de trabalho”.
Ao ser jogado na solitária já não sentia as pernas e teve que ser carregado por Guido até a privada.
Seu estado era tão preocupante que na manhã seguinte, 17 de julho, um enfermeiro foi chamado para examiná-lo. Não havia nenhuma resposta aos estímulos provocados pelo enfermeiro na planta dos pés ou nos joelhos. Além disso, tudo que ele comia, vomitava, com resquícios de sangue.
Quando o enfermeiro preparava-se para sair Merlino teve uma crise, já não sentia também os braços. O enfermeiro exigiu uma transferência urgente para o hospital. As últimas palavras que Guido ouviu foram “estou morrendo”.
No dia 20, pela manhã, o PM Gabriel contou aos presos que Merlino morrera na véspera por “problemas no coração”. Na noite desse mesmo dia D. Iracema Merlino recebeu um telefonema de um Delegado do DOPS que contou que seu filho morrera ao se jogar embaixo de um carro na BR-116 ao escapar da escolta que o levava a Porto Alegre, onde tinha ligações de militância.
Dois anos depois, ainda preso no DOI-CODI, o historiador Joel Rufino dos Santos ouviu de um de seus torturadores, que Merlino chegou muito mal ao Hospital e que de lá um médico telefonou ao DOPS (na verdade para o Coronel Carlos Alberto Ustra, chefe daquela seção) avisando que, ou amputavam suas pernas ou ele morreria. Segundo esse torturador, houve uma votação entre os homens de Ustra e a decisão foi “deixar morrer”.
Hoje, 40 anos e 8 dias depois, às 14h30min hs no Fórum João Mendes do Tribunal de Justiça de São Paulo, no centro da capital paulista teve início o histórico julgamento do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Graças a um esforço sobre-humano da família de Merlino que há anos tenta levar esse militar, responsável direto pela unidade paulista do DOI-CODI da Rua Tutóia, ao banco dos réus.
Estão lá os parentes e suas bagagens de dores. As testemunhas, Guido Rocha e Joel Rufino dos Santos pela acusação, e José Sarney (ele mesmo, o presidente do Senado), entre outros, pela defesa, que irão manter a versão absurda do suicídio.
É um momento histórico que pode ser vital por repercutir novos atos de justiça que tirem os crimes da ditadura militar debaixo do manto do anonimato.
Esperamos que lá também esteja a atenção e o interesse dos jovens brasileiros que não passaram por esses tempos cruéis, mas que necessitam conhecer um pouco mais da história de seu país.
Descanse em paz Luiz Eduardo Merlino. Você não pôde cumprir o que prometeu para sua mãe e irmã de retornar logo pra casa. Mas que seu nome, e o nome dos mortos sob tortura, possam finalmente, ocupar o lugar devido nos livros de história.
domingo, 24 de julho de 2011
AMY WINEHOUSE E AS BENGALAS
Nesse fim de semana recebemos a trágica notícia da morte da cantora e compositora britânica Amy Winehouse, de causas ainda não esclarecidas, mas, provavelmente ligadas ao uso abusivo de drogas.
Chama atenção que nos meios de comunicação, muitos entrevistados alegaram que esse desfecho já era esperado exatamente pelo envolvimento da artista com drogas, como álcool, anfetaminas, cocaína e outros.
E talvez, fosse mesmo de se esperar esse ponto final, lamentado por todos os fãs. Mas, que o lamento não seja inútil. Que a dor traga a reflexão necessária.
A dependência química é uma doença identificada no CID (Código Internacional de Doenças) e classificada como doença incapacitante para o trabalho.
É doença. E doença incurável, como incurável são alguns tipos de cânceres, diabetes e outros males. Porém, diferentemente desses, a dependência química é controlável, embora seu controle só seja possível com a abstinência total da droga incapacitante.
Possuí uma boa dose de características únicas que fazem duvidar seja realmente uma moléstia, algumas vezes sendo confundida com “falta de caráter”, “imoralidade”, “promiscuidade” etc. Quase sempre, o próprio dependente químico não aceita estar com uma doença quando usa sua droga de preferência.
Tem seus mistérios ainda não solucionados: por que alguns desenvolvem a dependência e outros não? Sua ocorrência é hereditária? Existem sinais que nos alertem para a predisposição à dependência?
Mas, também temos muitas certezas.
A dependência química é contagiosa. Mas não pelo contágio viral ou algo assim, mas pelo contágio da dor psíquica, da depressão, do sentimento de impotência que se alastra do dependente aos seus familiares, amigos, esposas, esposos, filhos. Na medicina moderna já é comum a expressão “família co-dependente”.
É essa co-dependência que explica as mentiras dos familiares para esconder cada ressaca, cada mico, para justificara a falta ao trabalho. A não aceitação do problema é comum entre os familiares.
Também é ela, a co-dependência, que explica porque a maioria das ex-esposas de dependentes químicos tornam a casar com outros dependentes químicos.
Importante não acreditar em falsas imunidades, como, por exemplo, do grau de escolaridade, função profissional ou poder aquisitivo.
Existem dependentes químicos em todas as funções conhecidas, do gari ao médico, do ajudante de pedreiro ao padre. Entre homens e mulheres e em todos os estamentos sociais. Ricos e pobres, de igual maneira. A dor não discrimina intelecto nem especialização, muito menos ter mais ou menos dinheiro.
O que varia nesses casos é apenas o tipo de droga mais utilizada.
Não acredite que o alcoolismo ou o tabagismo seja menos deprimente do que, por exemplo, fumar maconha. A legitimidade do uso ou da proibição é meramente fruto da cultura existente.
No Brasil qualquer um pode beber qualquer bebida de álcool, porém o consumo de maconha é reprimido pela Lei. Entretanto, nos países árabes o uso de Haxixe (um tipo de maconha potencializada) é liberado enquanto que consumir álcool é punido com cadeia e, às vezes com chibatadas públicas.
O uso de uma substância estranha ao corpo que provoca sensações de prazer, de alegria, euforia, invencibilidade é, na verdade, uma bengala que o dependente recorre para seguir a vida.
E quem de nós não usa bengalas?
Não será o trabalho excessivo, o sexo compulsivo, a inveja, a busca do poder, o sentimento de vingança, o ódio, entre tantas outras, bengalas?
Claro, que nada justifica o sofrimento e a dor, e no caso de Amy Winehouse e de milhares de dependentes, a morte.
Mas solução pronta não existe. Precisa ser construída.
A solução para esse que é o maior flagelo da humanidade passa, necessariamente, por melhorias na educação, no repensar a família e as relações afetivas.
Passa pela construção de uma sociedade menos injusta, menos egoísta e competitiva.
Uma sociedade mais fraterna onde os prazeres sejam pra todos e que não exija fugas em prazeres artificiais.
Se devemos reciclar o lixo por uma natureza mais limpa e saudável, não podemos esquecer o sonho de reciclar o homem enquanto ser social, por uma sociedade mais justa, mais humana e, só assim, sem drogas.
Chama atenção que nos meios de comunicação, muitos entrevistados alegaram que esse desfecho já era esperado exatamente pelo envolvimento da artista com drogas, como álcool, anfetaminas, cocaína e outros.
E talvez, fosse mesmo de se esperar esse ponto final, lamentado por todos os fãs. Mas, que o lamento não seja inútil. Que a dor traga a reflexão necessária.
A dependência química é uma doença identificada no CID (Código Internacional de Doenças) e classificada como doença incapacitante para o trabalho.
É doença. E doença incurável, como incurável são alguns tipos de cânceres, diabetes e outros males. Porém, diferentemente desses, a dependência química é controlável, embora seu controle só seja possível com a abstinência total da droga incapacitante.
Possuí uma boa dose de características únicas que fazem duvidar seja realmente uma moléstia, algumas vezes sendo confundida com “falta de caráter”, “imoralidade”, “promiscuidade” etc. Quase sempre, o próprio dependente químico não aceita estar com uma doença quando usa sua droga de preferência.
Tem seus mistérios ainda não solucionados: por que alguns desenvolvem a dependência e outros não? Sua ocorrência é hereditária? Existem sinais que nos alertem para a predisposição à dependência?
Mas, também temos muitas certezas.
A dependência química é contagiosa. Mas não pelo contágio viral ou algo assim, mas pelo contágio da dor psíquica, da depressão, do sentimento de impotência que se alastra do dependente aos seus familiares, amigos, esposas, esposos, filhos. Na medicina moderna já é comum a expressão “família co-dependente”.
É essa co-dependência que explica as mentiras dos familiares para esconder cada ressaca, cada mico, para justificara a falta ao trabalho. A não aceitação do problema é comum entre os familiares.
Também é ela, a co-dependência, que explica porque a maioria das ex-esposas de dependentes químicos tornam a casar com outros dependentes químicos.
Importante não acreditar em falsas imunidades, como, por exemplo, do grau de escolaridade, função profissional ou poder aquisitivo.
Existem dependentes químicos em todas as funções conhecidas, do gari ao médico, do ajudante de pedreiro ao padre. Entre homens e mulheres e em todos os estamentos sociais. Ricos e pobres, de igual maneira. A dor não discrimina intelecto nem especialização, muito menos ter mais ou menos dinheiro.
O que varia nesses casos é apenas o tipo de droga mais utilizada.
Não acredite que o alcoolismo ou o tabagismo seja menos deprimente do que, por exemplo, fumar maconha. A legitimidade do uso ou da proibição é meramente fruto da cultura existente.
No Brasil qualquer um pode beber qualquer bebida de álcool, porém o consumo de maconha é reprimido pela Lei. Entretanto, nos países árabes o uso de Haxixe (um tipo de maconha potencializada) é liberado enquanto que consumir álcool é punido com cadeia e, às vezes com chibatadas públicas.
O uso de uma substância estranha ao corpo que provoca sensações de prazer, de alegria, euforia, invencibilidade é, na verdade, uma bengala que o dependente recorre para seguir a vida.
E quem de nós não usa bengalas?
Não será o trabalho excessivo, o sexo compulsivo, a inveja, a busca do poder, o sentimento de vingança, o ódio, entre tantas outras, bengalas?
Claro, que nada justifica o sofrimento e a dor, e no caso de Amy Winehouse e de milhares de dependentes, a morte.
Mas solução pronta não existe. Precisa ser construída.
A solução para esse que é o maior flagelo da humanidade passa, necessariamente, por melhorias na educação, no repensar a família e as relações afetivas.
Passa pela construção de uma sociedade menos injusta, menos egoísta e competitiva.
Uma sociedade mais fraterna onde os prazeres sejam pra todos e que não exija fugas em prazeres artificiais.
Se devemos reciclar o lixo por uma natureza mais limpa e saudável, não podemos esquecer o sonho de reciclar o homem enquanto ser social, por uma sociedade mais justa, mais humana e, só assim, sem drogas.
sábado, 23 de julho de 2011
POLITEÍSMO, A EXPLICAÇÃO PARA O INEXPLICÁVEL
Quando o homem não sabe, ele inventa.
Podemos perceber isso nas crianças que, preenchem o seu mundo cheio de coisas incompreensíveis, com prodigiosa imaginação.
O mesmo ocorreu na infância da humanidade.
Sem saber porque as trevas substituíam o dia. Sem compreender as alterações das estações do ano, ou a energia do raio que caía tão próximo, o homem recorreu ao imaginário para poder ter algum contrôle sobre a ignorância.
Dessa maneira a quase totalidade dos povos antigos criou deuses, poderosos e invisíveis, num quadro que denominamos de politeísmo.
Alguns povos, como o Egito, chegaram a ter 3 mil deuses.
Logicamente, era necessario uma especialização na compreensão das multiplas coisas divinas. Era necessário entender suas vontades e suas iras. Como agradá-los, como conquistar sua confiança para que a colheita fosse farta ou a guerra fosse vencida. E aí, surgiu o clero.
A classe sacerdotal sempre esteve no poder, porque os povos sempre acreditaram que desempenhavam uma função vital para a sobrevivência. Porque justificavam suas mais profundas necessidades de segurança.
Dos grandes povos da antiguidade, apenas dois deles destacaram-se na contra-mão dessa tendência politeísta: os Hebreus após Moisés que adotaram o monoteísmo e os Persas que por Zaratrusta acreditavam em apenas dois deuses, numa espécie de dualidade entre o bem e o mal: Mazda, o Deus do Bem e Arimã, o Deus do mal.
Destaca-se ainda que os Egipcios (eles mesmos, os mais intensos politeístas) tiveram sob o reinado de Amenófis IV ou Akeneton, uma pequena experiência monoteísta.
Podemos perceber isso nas crianças que, preenchem o seu mundo cheio de coisas incompreensíveis, com prodigiosa imaginação.
O mesmo ocorreu na infância da humanidade.
Sem saber porque as trevas substituíam o dia. Sem compreender as alterações das estações do ano, ou a energia do raio que caía tão próximo, o homem recorreu ao imaginário para poder ter algum contrôle sobre a ignorância.
Dessa maneira a quase totalidade dos povos antigos criou deuses, poderosos e invisíveis, num quadro que denominamos de politeísmo.
Alguns povos, como o Egito, chegaram a ter 3 mil deuses.
Logicamente, era necessario uma especialização na compreensão das multiplas coisas divinas. Era necessário entender suas vontades e suas iras. Como agradá-los, como conquistar sua confiança para que a colheita fosse farta ou a guerra fosse vencida. E aí, surgiu o clero.
A classe sacerdotal sempre esteve no poder, porque os povos sempre acreditaram que desempenhavam uma função vital para a sobrevivência. Porque justificavam suas mais profundas necessidades de segurança.
Dos grandes povos da antiguidade, apenas dois deles destacaram-se na contra-mão dessa tendência politeísta: os Hebreus após Moisés que adotaram o monoteísmo e os Persas que por Zaratrusta acreditavam em apenas dois deuses, numa espécie de dualidade entre o bem e o mal: Mazda, o Deus do Bem e Arimã, o Deus do mal.
Destaca-se ainda que os Egipcios (eles mesmos, os mais intensos politeístas) tiveram sob o reinado de Amenófis IV ou Akeneton, uma pequena experiência monoteísta.
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