segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O HOMEM TROCADO


Por Luis Fernando Verissimo


O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.

- Eu estava com medo desta operação...

- Por quê? Não havia risco nenhum.

- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...

E conta que os enganos começaram com seu nascimento.

Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.

- E o meu nome? Outro engano.

- Seu nome não é Lírio?

- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...

Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.

- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.

- O senhor não faz chamadas interurbanas?

- Eu não tenho telefone!

Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.

- Por quê?

- Ela me enganava.

Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:

- O senhor está desenganado.

Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.

- Se você diz que a operação foi bem...

A enfermeira parou de sorrir.

- Apendicite? - perguntou, hesitante.

- É. A operação era para tirar o apêndice.

- Não era para trocar de sexo?



Luis Fernando Veríssimo, filho do imortal Érico Veríssimo, é escritor e cronista de Porto Alegre.

sábado, 17 de setembro de 2016

A RECEITA


Em tempos de sucessos televisivos gastronômicos, apresentamos a receita do momento, sucesso no Paraguai e agora no Brasil em nova versão.

É uma receita tradicional que vem e volta e já fez muito sucesso em outros momentos no Brasil, como em 1954 e 1964.

Apesar de suas fragilidades tem agradado ao gosto da Classe média, principalmente aquela que se acha dona de paladar superior.

A receita chama-se “Golpismo à Brasileira” e é relativamente fácil de fazer graças a fome aparentemente insaciável dos midiotas da nação.

INGREDIENTES:

Autoritarismo;

Mídia comprometida;

Polícia Federal tendenciosa;

Judiciário corrupto;

Judiciário covarde (não confundir com Judiciário corrupto);

Igrejas e pastores estelionatários;

Congresso de Bandidos;

Entreguismo da nação e

Corrupção.


MODO DE FAZER

Unte a forma com bastante autoritarismo, que pode ser encontrado em todos os níveis, consciente, inconsciente, público ou privado.

Coloque o golpe em banho maria.

Após a quarta eleição perdida, coloque o golpe na forma previamente untada com o autoritarismo.

Atenção: A mídia comprometida é um ingrediente fundamental que você deve colocar na base, no meio e por cima do golpe, por isso, você precisará de muita mídia comprometida pois ela estará presente em todas as outras fases do golpismo.

Junte Polícia Federal tendenciosa e Judiciário Corrupto na mesma forma. Você sabe se eles já estão maduros para a receita conforme o desejo de protagonismo que a mídia (não esqueça de misturar) pode oferecer. 

Guarde a parte nobre do judiciário corrupto, o Supremo covarde para ser destacado mais adiante, quando o golpe já estiver semi-consolidado.

Para enfeitar seu golpismo com cores aberrantes e ridículas, polvilhe tudo com conceitos, entrevistas e dogmas das Igrejas salvacionistas e seus Pastores estelionatários. Você poderá achar que está exagerando e que seu golpe vai perder a credibilidade, mas, fique tranquilo, ninguém nota o estelionato e milhões de consumidores adoram engolir dogmas e falso moralismo.

Quando a fervura estiver borbulhando, leve seu golpismo ao Congresso de Bandidos e deixe em fogo alto. O Congresso de Bandidos se encarregará de dar aroma e aspecto de popularidade ao seu prato.

Não esqueça de ir mexendo a mistura e colocando Mídia Comprometida o tempo todo.

As porções de corrupção e entreguismo aos interesses externos devem ser generosas, não seja econômico.

Enfeite tudo com o Judiciário Covarde que você separou para coroar seu golpe.

Tome cuidado para não misturar democracia, pois isso pode azedar seu golpe.

Pronto, seu golpismo à brasileira está pronto.

Você será extremamente elogiado pelos midiotas, mas não permita que eles comam demais pois sabemos bem que o golpe é feito mesmo para as elites nacionais e os interesses estrangeiros. Midiotas são ideais para elogiar sua receita e bater palmas, mas não permita abusos, pois podem acreditar que fazem parte do banquete.

Essa receita é infalível para matar a tal democracia e afastar os mais pobres da mesa, mas não se preocupe, o golpe não é feito para eles e sim para paladares acostumados ao poder.

Pobres devem roer os ossos na senzala e sem muitas reclamações.



Prof. Péricles









quinta-feira, 15 de setembro de 2016

OS TAMBORINS ESTÃO ESQUENTANDO

Por João Pedro Stedile


Fora, Temer!

No dia 31 de agosto consolidou-se o golpe judicial/midiático também no Congresso Nacional.

A burguesia concluiu a primeira etapa da conspiração, que vem desde outubro de 2014, para empossar, de qualquer maneira, um governo totalmente subserviente e capaz de jogar todo o peso da crise econômica sobre os ombros da classe trabalhadora.

Agora, está em curso a etapa de acelerar a implementação de medidas neoliberais, que só interessam ao capital financeiro e ao grande capital, aumentando a exploração do trabalho, diminuindo salários, aumentando o desemprego e aplicando um programa de privatizações e ajustes fiscais que envergonham até o FMI.

Todos os dias são anunciadas medidas estapafúrdias que rasgam a CLT, a Constituição e os direitos sociais conquistados a duras penas, por décadas de lutas sociais.

Porém, o gostinho da vitória parlamentar durou pouco. O golpe não conseguiu legitimar-se, nem na opinião pública, nem para o povo e desmoralizou-se até a nível internacional.

O presidente impostor foi humilhado na reunião do G-20, em que os demais governantes nem sequer o chamaram por presidente. E ele teve que aproveitar a viagem para ir comprar sapatos num Shopping Center qualquer. Tadinho!

Do ponto de vista jurídico, a farsa caiu quando os senadores não tiveram coragem de imputar a perda de direitos para a presidenta Dilma, revelando assim que não houve crime. E pior, três dias depois, os mesmos senadores aprovaram projeto que legaliza as pedaladas fiscais. Ora, não era crime?

Mas a mais dura resposta veio das ruas. No domingo 4 de setembro, menos de uma semana depois do golpe, mais de cem mil jovens paulistas foram às ruas protestar, levantando as bandeiras de FORA, TEMER, DIRETAS JÁ e NENHUM DIREITO A MENOS. Sem o estímulo de nenhuma rádio ou televisão, totalmente servis aos golpistas.

Depois, no dia 7 de setembro, repetiram-se centenas de manifestações em todo o Brasil, com milhares de brasileiros/as, em torno do “Grito dos Excluídos”, com as mesmas bandeiras.

E culminou com a classe média dando uma sonora vaia de cinco minutos na abertura das Paralimpíadas no Maracanã.

O que será desse governo, ninguém sabe. Do lado da burguesia eles também tem dúvidas. O governo golpista não consegue dar unidade política às forças conservadoras. Seu plano neoliberal não vai tirar o país da crise econômica e política; ao contrario vai agravá-la, trazendo consequências graves para toda população. Os sinais de corrupção de seus membros contradizem com o discurso e os interesses da chamada “Republica de Curitiba”. Por isso o Advogado Geral da União foi demitido sumariamente.

Até quando a mídia e o poder judiciário vão esconder as delações dos empresários, das propinas ilegais que envolvem ilustres ministros e inclusive o presidente impostor?

O governo golpista poderá vir a ser um governo em crise permanente, que só vai desgastar os partidos que o sustentam, como foram os últimos anos do caótico governo Sarney (1985-89). Ou então a burguesia poderá trocá-lo pela via indireta a partir de janeiro de 2017 e colocar algum impostor de maior habilidade e confiança do poder econômico.

De nosso lado, da classe trabalhadora, o tempo de vida útil desse governo deveria ser o mínimo possível. Mas na política, os fatos e a correlação de forças não dependem da vontade e desejos. Depende de força acumulada de cada lado.

E o tempo de sua permanência vai depender de nossa capacidade de mobilizar a classe trabalhadora para assumir essas bandeiras. Até agora ela ficou parada, assistindo apenas, como se o jogo político, não fosse com seu time.

As próximas semanas…O governo golpista acelerou sua ofensiva contra os direitos da classe trabalhadora. Os anúncios quase diários da perda de direitos, da reforma da previdência, da política de subordinação ao capital estrangeiro, com privatizações e venda de terras, da entrega do pré-sal, do gasoduto, da BR distribuidora, e outras riquezas nacionais, estão despertando uma parcela cada vez maior da população e da classe trabalhadora.

Diante disso, várias categorias no campo e na cidade aumentaram suas mobilizações e lutas nacionais, como vem acontecendo com os trabalhadores rurais, os camponeses, os bancários, os metalúrgicos, os professores, os trabalhadores do correio e os servidores públicos.

E num processo de maior articulação dessas lutas setoriais, as centrais sindicais conclamaram a uma paralisação nacional para o próximo dia 22 de setembro. Haverá um esforço não só do movimento sindical, mas de todos os movimentos da FRENTE BRASIL POPULAR E DA FRENTE POVO SEM MEDO, para que essa paralisação seja, de fato, vitoriosa e paralise as atividades da produção, de transporte, do serviço público, do comércio e das escolas.

E como alertam os sindicalistas, isso tudo será um ensaio geral para a deflagração de uma GREVE GERAL contra o governo golpista.

Ao mesmo tempo, em São Paulo, e em um número cada vez maior de cidades, se multiplicam as manifestações, em geral aos domingos, às vezes até auto-convocadas, quase espontâneas, majoritariamente pela juventude e por movimentos das mulheres, clamando cada vez mais alto a necessidade do FORA, TEMER; de DIRETAS JÁ, como uma proposta generosa de que a ordem democrática somente voltará, se o povo tiver o direito de escolher seus representantes nas urnas; por NENHUM DIREITO A MENOS, ou seja contra as medidas do plano neoliberal em curso.

Como vêem, os tamborins estão esquentando, e a luta será cada vez mais intensa…

Vamos à luta, companheiros e companheiras.



João Pedro Stedile é líder do MST, economista graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México.


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

TUDO É POSSÍVEL NA ELEIÇÃO NORTE-AMERICANA

Por José Inácio Werneck


Na reta final da eleição presidencial americana, que se realiza sempre na terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de novembro, há três possibilidades: vitória apertada de Hillary Clinton, vitória apertada de Donald Trump e vitória por enxurrada de Hillary Clinton.

A única hipótese que não acontecerá é a de uma vitória por enxurrada (que os americanos chamam de “landslide”, ou avalanche) de Donald Trump.

E isto tem muito a ver com sua personalidade. Donald Trump, um desonesto homem de negócios que, entre outras coisas, fraudou investidores e se recusa a revelar seu Imposto de Renda, tem se apresentado como um homem intolerante, racista, anti-imigrantes e xenófobo.

Por causa disto, seu apelo está fortemente concentrado na população masculina branca, sobretudo a de menor poder aquisitivo e menor índice de educação.

Isto parece contraditório: como pode um bilionário defensor da classe privilegiada encontrar apoio entre pessoas de menor poder aquisitivo?

A explicação está em que este é o eleitorado (também eleitorado de menor nível educacional) “blue collar”, que se sente mais prejudicado pela presença de imigrantes de outras raças, como latinos e asiáticos, na disputa por empregos em fábricas, indústrias e manufaturas em geral. O salário médio desta população está há muito tempo estagnado.

A economia americana mudou radicalmente nas últimas décadas, com indústrias de larga tradição, a exemplo da siderúrgica e da automobilística, perdendo terreno para competidores estrangeiros.

Restam e são cada vez mais importantes, as atividades de colarinho branco em tecnologia de ponta, informática e investimentos, que exigem alto poder de especialização e instrução. Este eleitorado não é favorável a Trump.

Outra camada de apoio a Trump é encontrada entre conservadores brancos religiosos, que vêm nele um obstáculo ou ao menos um freio na crescente secularização do país e na admissão de direitos humanos como casamentos de homossexuais e acesso a abortos.

Tais características poderiam indicar que a base eleitoral de Trump é pequena e ele está fadado a uma contundente derrota.

Em seu favor, porém, Trump conta com a falta de confiança que o público americano em geral, aí incluídos eleitores democratas, deposita em Hillary Clinton, desde suas atividades em negócios imobiliários ao tempo em que seu marido era governador de Arkansas até seu mais recente desempenho como Secretária de Estado, quando usou uma conta pessoal para e-mails secretos, em vez de usar o sistema governamental, e supostamente favoreceu governos e empreendimentos que investiram na Fundação Clinton.

Ela tampouco ganhou a admiração do público feminino ao acobertar os desmandos sexuais de Bill Clinton, inclusive no famoso caso de Monica Lewinsky, para não prejudicar suas próprias ambições políticas.

Não é exagero dizer que esta eleição reúne os dois piores candidatos possíveis.

Há um número de imponderáveis em ação, como os dois candidatos “pequenos”: o libertário Gary Johnson e o verde Jill Stein.

É bom lembrar que Al Gore, além de ter sua eleição roubada pelos juízes republicanos na Suprema Corte, foi também prejudicado na disputa no ano 2000 pela presença do candidato verde Ralph Nader.

É muito mais provável que democratas desgostosos com Hillary Clinton optem por candidatos como Gary Johnson e Jill Stein do que republicanos o façam.

É também muito mais provável que democratas desgostosos com Hillary Clinton resolvam ficar em casa no dia da eleição do que republicanos o façam.

A maioria do povo americano – como ficou claro na eleição de 2000 quando Al Gore ganhou a disputa “popular” embora tenha perdido a de “votos eleitorais” de acordo com a Suprema Corte – prefere os democratas.

Os democratas tem mais estados “fiéis”, num total de 242 votos em geral “garantidos” no Colégio Eleitoral, contra apenas 102 dos republicanos.

Por isto, é possível que Hillary Clinton derrote Donald Trump por enxurrada.

Mas a percepção negativa que o público em geral tem dela pode nestas últimas semanas levar a uma vitória apertada para Donald Trump.



José Inácio Werneck, jornalista e escritor, é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

FORA TEMER E O CORAÇÃO PARTIDO

Era um burburinho terrível. Ele suado com a camisa “Fora Temer” amarrotada velha de guerra.


A caminhada seguia firme na direção do centro da cidade para se unir a outras caminhadas na esquina democrática da Rua dos Andradas com a Borges de Medeiros.


Nova ação. Novo capítulo no movimento que promete não parar até atingir seus objetivos. Gente determinada e guerreira.


Foi então que seus olhos cruzaram.


Oh céus! Ele era capaz de jurar que ouviu até uma trilha sonora quando enxergou seus olhos.


Ela estava dentro do ônibus e o olhava... sim, era para ele que aqueles olhos azulados miravam.


Ele sentiu aquela pressão no peito que desde garoto o acometia diante do olhar de mulher bonita de olhos azulados.


Procurou alguma definição filosófica para interpretar o que sentia naquele instante, mas a única coisa que lhe veio à cabeça foi “uau”!


Ela era a mulher de sua vida, com certeza. E se não fosse deveria ser.


Por alguns instantes abandonou a luta política e esqueceu os companheiros que continuaram caminhando e cantando enquanto ele ouvia a canção.


Ficou estático, apenas olhando aquelas duas safiras azuladas por detrás daquele vidro do busão.


Era o seu momento mágico. A sua visão do Olimpo.


Fora Temer. Fora Porto Alegre. Fora tudo.


Foi então que ela ergueu um pouco mais a cabeça e lhe sorriu... Minha Nossa Senhora Protetora dos Embasbacados... o sorriso lhe arrancou um arrepio na espinha e uma coceira na orelha direita, outro sinal de apaixonite que tinha desde criança.


Ela continuou sorrindo e... começou a se erguer, sim, ela estava se erguendo para lhe olhar melhor... talvez.... e então...


Ela esticou sua própria camisa onde ele pode ler “Tchau Querida”!


Pelos deuses! O mundo lhe caiu sobre a cabeça e congelou.


O ônibus lentamente começou a se mover e ele ainda viu seu quase amor erguer a mão lhe apontando apenas o dedo médio.


Sim, uma desilusão amorosa dói companheiro!


Viu o ônibus se afastar e levar a sua deusa-demoníaca enquanto ouvia ao longe a voz dos amigos lhe chamavam à realidade.


Juntou sua dignidade caída na calçada e disse para si mesmo “é isso, a luta continua, oras se continua”.


As desilusões que esperem melhor momento.


As safiras azuladas devem ser falsas e o busão tomara que estrague.


E saiu gritando com a força da indignação: “Fora Temer”, “Não Vai ter golpe, vai ter luta”.




Prof. Péricles

domingo, 11 de setembro de 2016

MATAR E MORRER POR ALÁ


Por Rui Martins



Elas são adolescentes, boas alunas no colégio, mas de repente caem na rede dos islamitas do EI, que pretendem ter criado um Califado ou Estado Islamita.

O aliciamento de jovens ingênuas é feito segundo a mesma tática das seitas, a diferença está no objetivo – geralmente as seitas propõem meditação, espiritualidade ou ações humanitárias, enquanto os islamitas, vindos do ramo sunita-salafista muçulmano propõe às jovens alistadas nas suas fileiras um casamento com um namorado (chamado príncipe), encontrado nas redes sociais, tão logo cheguem na Síria ou Iraque, e a participação em atentados ou se tornar mártir ou mulher-bomba kamikaze.

Le Ciel Attendra (O Céu Esperará), filme ficção francês inspirado numa situação real, de Marie Castille Mention-Schaar, é um dos primeiros sobre o desvio de adolescentes, baseado numa série de encontros com jovens alistadas no exército do Estado Islâmico e com mães e pais desesperados ao constatarem a fuga de suas filhas rumo à Síria.

O filme focaliza duas adolescentes: Sonia, presa pela polícia francesa antes de atravessar a fronteira na rota para a Turquia, de onde iria para a Síria com mais duas amigas, doutrinadas principalmente pelo Facebook por rapazes islamitas de boa conversa, aliciadores de jovens.

Essas jovens ao chegarem na Síria serão casadas à força com soldados de Daesch (nada a ver com seus príncipes prometidos), ou transformadas em bombas-humanas ou torturadas e degoladas no caso de resistência ou de começarem a chorar pedindo para voltar.

A outra é Melanie, que burlando a vigilância da mãe, mentindo e simulando, conseguiu embarcar para Istambul e de lá para a Síria e Iraque, desaparecendo sem deixar traços.

Não sendo documentário, o filme reconstitui o quadro das mães desnorteadas, que não se perdoam por terem se deixado enganar por suas filhas, nunca tendo sequer desconfiado da conversão de suas filhas para o islamismo extremista. Sonia trancava-se no quarto para vestir a burca e tinha levado seu violoncelo ao porão, pois os extremistas islamitas, como os talibãs, são contra todo tipo de música.

Embora o filme não trate do alistamento de rapazes, existe igualmente um grande número deles convertidos e partindo para a Síria em busca de aventuras. Alguns se transformam em pouco tempo em temíveis assassinos, vídeos divulgados pela televisão mostrou como responsáveis pelos reféns degolados, outros enviam fotos via Internet portando uma Kalachnikov ou em cenas de combate.

Entre garotas e rapazes convertidos e transformados em combatentes, somando-se os da Bélgica, onde a influência de imãs salafistas é maior, com França, Alemanha, mesmo Portugal, e Inglaterra, o número é de milhares, um certo número deles já mortos.

A França criou recentemente um Centro de Prevenção para orientar os pais, porém é difícil o controle dos jovens fanatizados por Internet.

Na busca de sua identidade e do absoluto, os adolescentes acreditam nas mentiras que lhes são contadas, nas versões de complôs mostrando o mundo nas mãos dos inimigos de Alá.

A versão mais comum é de que vivemos o fim do mundo e que esses jovens poderão salvar suas famílias tornando-se combatentes.

As doutrinas apocalípticas sempre conseguem seguidores, mesmo entre os cristãos.