quarta-feira, 29 de junho de 2016

EM DEFESA DO SUS


Por Fr. Marcos Sassatelli

No dia 16 de maio, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), do governo do “golpista” Michel Temer, em entrevista à Folha de S. Paulo, afirmou que o país precisa rever o direito de acesso universal à saúde pública e a outros direitos constitucionais.

Diz o ministro: “Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina”. E ainda: “Não adianta lutar por direitos que não poderão ser entregues pelo Estado. Temos que chegar ao ponto de equilíbrio entre o que o Estado tem condições de suprir e o que o cidadão tem direito de receber”. Que retrocesso!

Em outro ponto da entrevista, o ministro afirma: “Infelizmente, a capacidade financeira do governo para suprir todas essas garantias que tem o cidadão não são suficientes. Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita garantir esses direitos por conta do Estado”.

Ao invés de defender, como ocorre em outros países, um SUS de qualidade, público e gratuito para todos e todas, que acabe aos poucos com os planos particulares de saúde, o ministro se posiciona a favor de uma privatização cada vez maior da saúde, declarando: “Quanto mais gente puder ter planos (de saúde), melhor, porque vai ter atendimento patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar esta questão” (Folha de S. Paulo, 17 de maio de 2016, p. B1). Que vergonha para o Brasil!

O ministro deveria lembrar os altos tributos que os trabalhadores e trabalhadoras pagam. “Brasileiro trabalha 151 dias para pagar tributos, que comem 41,4% do salário”.

Só para pagar a contribuição previdenciária, o trabalhador ou trabalhadora com carteira assinada que ganha o salário mínimo (R$ 880,00), gasta por ano quase um mês de trabalho (R$ 844,80). Imaginem o dinheiro que entra nos cofres da Previdência!

Portanto, ministro Ricardo Barros, o atendimento na saúde pública já é muito bem “patrocinado” pelos trabalhadores e trabalhadoras. Não é um presente do Estado, mas um direito universal e inalienável de todo trabalhador e trabalhadora.

Quem sonega impostos, um verdadeiro crime contra a vida do povo, não são os trabalhadores e trabalhadoras, mas os ricos.

“No Brasil, o 1% mais rico da população controla uma renda equivalente à dos 50% mais pobres. Considerando o patrimônio, vê-se que 10% da população detém 75,4% de toda a riqueza nacional. A concentração de renda é agravada pelo sistema tributário, por baixos salários e pela falta de investimento em serviço público!

Ministro Ricardo Barros, para que o direito de acesso universal à saúde pública de qualidade e os outros direitos constitucionais sejam cumpridos, a solução é muito simples:

Acabar com a corrupção e a roubalheira generalizadas de políticos e governantes, colocando na cadeia todos os corruptos e ladrões de “colarinho branco” (hoje as cadeias estão cheias de “ladrões de galinhas”).

Exigir dos políticos e governantes corruptos e ladrões – verdadeiros assaltantes dos cofres públicos – a devolução do dinheiro roubado, com juro e correção monetária.

Acabar com a sonegação de impostos dos ricos e poderosos, cobrando – também com juro e correção monetária – todos os impostos atrasados.

Taxar as grandes fortunas, as fabulosas heranças e os lucros exorbitantes dos bancos.

Ministro, é esse o caminho para tornar o Brasil um país decente e merecedor de respeito.

Em teoria – todos e todas nós sabemos – o SUS é um dos melhores planos de saúde pública do mundo, mas, na prática, ele deixa muito a desejar. O atendimento é extremamente deficitário e, na maioria das vezes, de péssima qualidade.

Apesar de tantas deficiências, o SUS precisa ser sempre defendido, revisto e melhorado, no sentido de ampliar, em número e qualidade, suas ações, em favor de uma saúde pública gratuita e de qualidade.

Para que isso aconteça, precisamos acabar com a corrupção, muitas vezes legalizada, e banir da vida pública toda a cambada de políticos e governantes oportunistas e aproveitadores do povo, que, infelizmente, são hoje a maioria.

Um outro Brasil é possível e necessário! Lutemos por ele!


Marcos Sassatelli, Frade dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e Professor aposentado de Filosofia da UFG.



terça-feira, 28 de junho de 2016

DARWIN ERA UM BABACA

A única Constituição brasileira que não diferenciou claramente o poder político do poder religioso foi a Constituição Monárquica de 1824 que através do padroado considerava o Imperador a máxima autoridade religiosa. Todas as outras Constituições brasileiras definem o país como laico e reconhece o direito de culto de todas as religiões.

Estado laico é o estado neutro no sentido religioso, ou seja, oposto ao estado eclesiástico e fundamentalista.

O Brasil se tornou um Estado laico desde o Decreto 119-A de 07 de janeiro de 1890 de autoria de Ruy Barbosa. A partir desse decreto o Brasil deixou de ter uma religião oficial, separando o poder político do Estado do poder religioso.

Nossa atual Constituição cidadã, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu Artigo 5º, inciso VI dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”.

Até mesmo o direito ao ateísmo está previsto e garantido constitucionalmente.

Já no seu artigo 19 a Constituição proíbe aos governantes estabelecer com os representantes de qualquer culto, relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público.

Por tudo isso, é extremamente preocupante a denúncia publicada pela presidente da APEOESP (Associação dos Professores do Estado de São Paulo), professora Maria Izabel Noronha, referente aos os avanços da chamada bancada religiosa, na verdade, um bloco formado por representantes e aliados das igrejas evangélicas pentecostais, na área da educação formal no Brasil.

Segundo a professora, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados está querendo incluir o criacionismo nos currículos escolares e ainda excluir todos os conteúdos relacionados às religiões de matriz africana e indígena da Base Nacional Comum Curricular.

Considerando que o criacionismo é dogma religioso judaico-cristão não havendo nele qualquer princípio científico e sim de fé, e ainda, em clara oposição aos estudos evolucionistas aceitos por todas as áreas do conhecimento científico e que, os conteúdos relacionados às religiões afro-brasileiras são de enorme importância cultural e histórica, as pretensões da citada bancada batem de frente com o laicismo e as garantias estabelecidas pela Constituição.

Voltando ao texto escrito pela professora Maria Izabel, temos que “a situação da educação brasileira se agrava a cada momento. Vivemos um quadro de retrocessos que não podemos tolerar e sobre os quais não podemos nos calar.

O governo interino e ilegítimo de Michel Temer, com Mendonça Filho (DEM) à frente do Ministério da Educação, não apenas quer asfixiar a educação pública cortando verbas com a volta da DRU, mudanças no regime de repartição dos royalties do petróleo e rendimentos do pré-sal (que deixariam de ir para educação e saúde), fim das vinculações constitucionais de recursos, fim da política de valorização do piso salarial profissional nacional e outras medidas investe contra a própria concepção de educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade para todos e todas”.

Segue a denúncia “Isto é gravíssimo! O que está ocorrendo na educação brasileira neste momento é uma intolerável demonstração de autoritarismo típico de ditaduras, buscando impor um pensamento único com base em princípios
religiosos incompatíveis com a natureza e função social da educação”.

Parece alarmismo, mas, infelizmente não é.

Em tempos de golpes midiáticos-jurídicos-parlamentares e de preconceitos que lembram os tempos de ascensão do totalitarismo, não é de duvidar que uma marcha fundamentalista queira mesmo convencer nossas crianças e nossos jovens de que Deus realmente fez o homem a sua imagem e semelhança há pouco mais de 3 mil anos, Eva de uma mísera costela do homem e que Darwin era um babaca. 

Que o paraiso foi perdido por causa da tentação de Eva (sempre a mulher) e se não fosse por ela ainda estaríamos lá.

E da mesma forma que que os judeus foram utilizados para alimentar ódios, não sejam os negros, os umbandistas, seguidores de cultos afro e seus estudiosos, também utilizados como estopim para a discórdia.

Se não estivermos atentos o Talibã será aqui e Galileu finalmente será queimado na fogueira.




Prof. Péricles

sábado, 25 de junho de 2016

OPERAÇÃO CONDOR, JUSTIÇA E INVEJA


A Operação condor foi uma aliança secreta feita entre as ditaduras do Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai. 

A iniciativa da criação da aliança assassina foi da ditadura sangrenta de Augusto Pinochet, do Chile.

A partir de sua formalização, a Operação Condor permitiu a ação de agentes da repressão além de suas fronteiras. Dessa forma, exilados políticos distantes de seus países de origem foram atacados, presos e mortos.

Os atos ilegais e covardes praticados pelos agentes dessas ditaduras foram supervisionados e auxiliados pela CIA.

Durante as décadas de 70 e 80, a Operação Condor (condor é um abutre gigante dos Andes que se alimenta de carniça) sequestrou, torturou e matou, um número até hoje não determinado de opositores dessas ditaduras.

Entre nós, brasileiros, os casos mais citados são a prisão de um casal uruguaio no centro de Porto Alegre e que depois apareceram em prisões do Uruguai.

A morte de João Goulart e o estranho acidente fatal de JK também são lembrados como prováveis ações da Operação Condor.

Poucas autoridades daqueles anos negros reconheceram a existência dessa trama maquiavélica, mas sua história sangrenta é de largo conhecimento público internacional e reconhecida pelos Estados Unidos.

O Brasil, infelizmente, preferiu esquecer suas mazelas e colocar esparadrapos por cima das feridas como se nada tivesse acontecido e, por isso, a Operação Condor entre tantos outros crimes praticados foram para a triste área do esquecimento.

Mas outros povos têm mais coragem e buscam recontar aqueles tempos, sem medo de enfrentar seu próprio passado e nisso, destacam-se os argentinos.

Recentemente a Argentina condenou 15 ex-militares a penas de prisão que variam de 8 a 25 anos por participarem da chamada Operação Condor, entre eles o último ditador do regime militar.

Os principais condenados foram o ex-presidente Reynaldo Bignone e o ex-comandante Santiago Omar Riveros, a 20 e 25 anos de prisão, respectivamente, pelo desaparecimento de 105 pessoas durante a sangrenta ditadura entre 1976 e 1983. O veredicto foi proferido depois de 16 anos de tramitação do processo.

Bignone foi o último dos chamados presidentes de facto do regime militar da Argentina, de julho de 1982 até dezembro de 1983, quando transferiu o poder para Raúl Alfonsín, que havia vencido eleições democráticas. Em 2011, ele foi condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.

O julgamento e a condenação dos réus não trarão de volta à vida os 150 desaparecidos diretamente por ações da Operação Condor, nem os mais de 30 mil torturados e mortos pela ditadura argentina. Mas, se a aplicação da justiça exigisse o milagre da ressurreição ela jamais seria feita.

Para os parentes é um alento saber que os responsáveis pelo martírio de seus amados estão sendo punidos, não importa o tempo que passou.

Justiça é o mínimo que as vítimas merecem, assim como a própria história do país.

Aos brasileiros vertebrados, sobra apenas a inveja pela coragem dos vizinhos e a indignação diante da covardia tupiniquim.



Prof. Péricles

sexta-feira, 24 de junho de 2016

O DEDO DE LULA


Por EMIR SADER

Dois ídolos do ódio racista que a direita promoveu no Brasil, Bolsonaro e Moro, usaram o dedo do Lula para expressar seus valores.

Bolsonaro imprimiu e difundiu camisetas em que aparece a mão do Lula com quatro dedos, explorando o defeito físico do maior líder popular que o Brasil já teve. Moro, conversando com seus comparsas, se refere ao maior dirigente político que o país tem como "nine", uma forma depreciativa de mencionar Lula.

São duas formas de expressão em que se revelam personalidades desprezíveis, odiosas execráveis, de preconceito e de tentativa de desqualificação de um líder popular, de um operário, de um imigrante nordestino.

Expressam bem o que é a elite branca brasileira do centro sul, que se considera dona do país e sempre tratou de tratar aos outros – os de origem popular, os do nordeste, os trabalhadores – como bárbaros, selvagens, "mal informados", como disse o outrora líder dessa gente, o FHC.

A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.

Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca teve sempre como ideologia dominante a da elite branca. Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes, nas universidades, nos governos – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.

A elite paulista e do sul do país representa, melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revolução de 30, menos ainda o governo de Getúlio.

A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo "a locomotiva da nação", o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil.

Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de São Paulo, eram todos "baianos" ou "cabeças chatas", trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em São Paulo.

A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a "salvação do Brasil"- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.

Terminada a ditadura, tiveram que conviver com Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para quem canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.

Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite branca brasileira.

Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Teve que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.

O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e do centro sul do país e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos foram sua representação política e a mídia privada, seu porta-voz.

Na crise atual, a burguesia e setores da classe média do centro sul protagonizaram algumas das cenas mais vergonhosas da história brasileira, nas manifestações contra a democracia, a favor do golpe e da ditadura militar, exibindo suas dimensões mais fascistas e discriminatórias.

Colocavam pra fora o ódio contra os que tinham regulamentado o trabalho das empregadas domésticas, que já não serviriam à opressão e à exploração indiscriminada das patroas. Contra os que tinham transformado o Nordeste, que tinham aberto as universidades para os jovens pobres, contra os que tinham permitido aos pobres de viajar para ver seus parentes ou para fazer turismo. Contra os que fizeram do Brasil um país menos injusto, menos desigual, contra os que tiraram o país do Mapa da Fome, a que as elites brancas tinham condenado o povo para sempre.

E Lula sempre foi e continua sendo a expressão mais alta desse movimento de democratização social do Brasil.

Gente como Bolsonaro e Moro ofendem a Lula porque sabem que assim ofendem ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos. Tentam desconhecer que a indústria brasileira foi construída com as mãos de operários como o Lula, que os carros em que eles passeiam foram construídos por trabalhadores como o Lula. Que o dedo que Lula perdeu são os muitos dedos que os acidentes diários de trabalho provocam nos trabalhadores, para sobreviver com baixos salários e produzir as riquezas do Brasil.

Bolsonaro e Moro são os herdeiros do político do sul que disse que "iam acabar com essa raça por décadas". Deveriam ser processados por racismo, ao exibir essas camisetas com Lula sem um dedo e ao falar de Lula como "nine". São seres desprezíveis, odiosos, execráveis, do pior que o Brasil tem, pelo ódio de classe ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos, pelo ódio ao Brasil.

Nós nos orgulhamos de Lula como eles não podem se orgulhar de seus ídolos, promotores do estupro de mulheres e agentes fascistas contra os partidos e líderes de esquerda, contra a própria democracia, que é e será fatal para eles.



Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O RISCO É HILLARY PERDER


Por José Inácio Werneck


Há pouco mais de um ano era quase certo que a disputa pela presidência dos Estados Unidos seria entre membros de duas ilustres dinastias: Jeb Bush, pelos republicanos, e Hillary Clinton, pelos democratas.

Jeb Bush cedo sucumbiu, esmagado pelo terrível legado da Guerra do Iraque, deixado por seu irmão George, e pelo apelido de “Low Energy Jeb” que lhe foi dado por Donald Trump.

Hillary Clinton porém está próxima de conquistar a indicação pelo Partido Democrático.

Seu adversário será exatamente Donald Trump que, ao anunciar sua candidatura, era considerado pouco mais do que uma figura cômica, quase um palhaço, famoso por sua insaciável sede de publicidade, por seu programa The Apprentice e pela ridícula campanha em que insistia que o presidente Barack Obama tinha nascido no Quênia.

A escolha de Hillary Clinton era considerada quase uma “coroação”, pois não haveria entre os democratas um candidato que pudesse superá-la.

Mas o senador por Vermont, Bernie Sanders, que não pertence ao Partido Democrático, apresentou-se como independente em suas primárias e conseguiu o que parecia impossível, pois lutava contra a máquina do partido: endureceu a campanha contra Hillary Clinton.

Hillary ganhará a escolha na convenção, mas sua eleição à presidência, que parecia certa, é agora uma grande dúvida: as pesquisas de opinião apontam um empate virtual entre ela e Donald Trump e a tendência é para o crescimento deste.

A eleição de Trump, boquirroto, demagogo, irresponsável e fascitóide, seria ou será uma tragédia para os Estados Unidos e para o mundo: todas as suas promessas (ou ameaças), como uma guerra comercial contra a China, o muro na fronteira mexicana (com a conta enviada ao governo do país vizinho), a proibição da entrada de muçulmanos no país, a promessa de reativar as poluentes minas de carvão, a ameaça de usar bombas atômicas, são irresponsáveis – além de provavelmente irrealizáveis.

É difícil acreditar que um país adiantado como os Estados Unidos possa eleger uma pessoa como Trump, mas Hitler e Mussolini, em suas épocas, também conquistaram imensa popularidade na Alemanha e na Itália.

O problema de Hillary Clinton, porém não é Trump, é ela mesma, Hillary.

A cada dia que passa as pesquisas de opinião revelam que mais e mais eleitores desconfiam de seu caráter.

Hillary é cada vez mais uma pessoa vista como pouco confiável, capaz de mentiras e tergiversações que vão desde negócios duvidosos ao tempo em que seu marido Bill era governador de Arkansas e depois presidente dos Estados Unidos, até os tempos atuais, com suas palestras secretas para os banqueiros de Wall Street, em troca de 11 milhões de dólares, aos e-mails em seu provedor particular enquanto foi Secretária de Estado de Barack Obama.

Mesmo o eleitorado feminino confia pouco em Hillary Clinton, achando que ela sempre foi conivente, omissa e até cúmplice (pelo menos cúmplice a posteriori), encobrindo as conhecidas aventuras extraconjugais de seu marido e culpando as parceiras.

Em suma, como ela demonstrou ao apoiar George W. Bush em sua decisão de invadir o Iraque (enquanto Bernie Sanders e Barack Obama se opunham), a impressão geral é de que Hillary toma posições com base em um único critério: o que ela julga mais conveniente para sua carreira.

No caso da invasão do Iraque, ela não queria ficar fora do que achava seria uma “marcha triunfal” dos americanos no país.

A história provou que foi um erro colossal.

Por isto muita gente não votará em favor de Hillary Clinton no próximo mês de novembro: sufragará o nome de Hillary Clinton como único jeito de votar contra Donald Trump.

Assim está a eleição no país mais rico do mundo: entre um pilantra e uma oportunista.

Dos males, o menor.

Resta saber se será o suficiente para dar a vitória aos democratas.



José Inácio Werneck, jornalista e escritor é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.



sábado, 18 de junho de 2016

O ACABA BAILE


Uma das figuras mais conhecidas das histórias que se contam nos pagos do Rio Grande é do “Acaba Baile”.

O “Acaba Baile” era o índio guapo barbaridade, que se achegava nos bares para tomar uma canha, já olhando com o canto do olho para a assistência e, em dia de festa, já chegava no baile armado de facão.

Bastava um olhar atravessado que o cuera já se atacava e o buchichim estava feito.

Érico Veríssimo descreveu em “Um Certo Capitão Rodrigo” o seu personagem principal como um autêntico “Acaba Baile”.

Quando o Capitão Rodrigo chega em Santa Fé vai direto para o bolicho e ao entrar solta a pérola: “"Buenas e me espalho, nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!".

Como todo bom fanfarrão o Capitão Rodrigo está se apresentando e dizendo que nos mais fracos bate pouco (nos pequenos dou de prancha, isso é, com o lado do facão) mas nos grandes bate muito (nos grandes dou de talho, ou, com o fio do facão).

Claro, criaturas assim fazem parte das lendas pampeanas e são assunto para causos e risos em roda de chimarrão.

Eles existem a séculos no imaginário que moldou a lenda do gaúcho corajoso e desafiador que não teme a nada sendo figuras queridas do folclore gaúcho.

Mas não é que pros lados dos esteites, um lugar exemplar para muitos, apareceu um acaba baile, pior, muito pior do que qualquer Capitão Rodrigo?

Trata-se de Omar Mateen, um jovem de 29 anos, homofóbico e simpatizante do radicalismo islâmico representado pelo Exército Islâmico (EI).

Armado com um rifle de repetição um revólver e um "aparelho suspeito", que teve uma explosão controlada, que não foi mais detalhado pela polícia, o rapaz conseguiu entrar numa boate de público majoritariamente gay e passou a disparar a torto e a direito, matando indiscriminadamente ao seu redor.

Foram 49 vítimas fatais e mais de 50 feridos.

Longe de ser fruto de uma lenda urbana ou alimentar causos e risos Omar é bem real.

Suas origens não estão no folclore, mas na intransigência do ocidente para com os de orientação sexual diferente da sua.

Estão na competição avassaladora dessa sociedade que rotula cada um como vencedor ou derrotado desde a mais jovem idade.

Estão na exclusão e na solidão que acompanha os que se sentem menores mesmo que cercado por milhões.

Na hipocrisia de uma sociedade que em nome dos lucros imensos da indústria da bala, permite que armas e munição sejam vendidos por atacado ou a varejo nos balaios de liquidação.

O Acaba Baile norte-americano não acabou apenas com o baile em que pessoas se divertiam e gastavam o seu dinheiro arduamente conquistado, mas com as vidas dessas pessoas que ele sequer conhecia.

O pior nem é a existência de um “Acaba Baile” que não conseguiu controlar suas próprias carências e instintos e num misto de moralismo e religiosidade extrapolou suas emoções e partiu para a ação enlouquecida.

O pior é que muitos outros “Omares” permanecem silenciosos nas mentes reacionárias de muitos homens de bem e de poder, capazes de esconder seu ódio.

São esses "Omares" que se divertem com as piadas racistas, o comportamento homofóbico e impedem que qualquer lei que dificulte o acesso às armas nos Estados Unidos seja aprovada.

O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.



Prof. Péricles