sábado, 14 de novembro de 2015

DILMA E A SÍNDROME DE ESTOCOLMO

Pattie Hearst
No Julgamento



Numa quente manhã do verão de 1973, dois homens invadiram o “Creditbank” em Estocolmo, capital da Suécia. A ação dos assaltantes não deu certo e o prédio acabou cercado pela polícia, resultando num terrível tiroteio.

Impossibilitados de fugir, a dupla de assaltantes fez quatro desafortunados reféns por longos e arrastados seis dias (de 23 a 28 de agosto) de ameaças e negociações  com a polícia.

Para surpresa de todos, ao final das negociações os reféns mostraram-se arredios ao auxilio da polícia e usaram os próprios corpos para proteger os assaltantes de algum atirador de elite. Em seguida passaram a defender publicamente os raptores.

Desde então, essa estranha condição psicológica em que a vítima submetida a longo estresse físico e emocional (quando perde toda esperança de escapar) desenvolve um processo de simpatia, aceitação e dependência da aprovação do raptor, é denominado de Síndrome de Estocolmo.

Segundo especialistas “A princípio, as vítimas passam a se identificar emocionalmente com os sequestradores por meio de retaliação e/ou violência. Pequenos gestos gentis por parte dos raptores são frequentemente amplificados porque o refém não consegue ter uma visão clara da realidade e do perigo em tais circunstâncias. O complexo e dúbio comportamento de afetividade e ódio simultâneo junto aos raptores é considerado uma estratégia de sobrevivência por parte das vítimas”.

O caso mais famoso de Síndrome de Estocolmo envolveu Patty Hearts, uma norte –americana hedeira de um verdadeiro império (neta do Roberto Marinho dos Estados Unidos, William Randolph Hearst, magnata das comunicações).

Sequestrada em 04 de fevereiro de 1974 quando estava em seu apartamento com o noivo, pelo “Exército Simbiones”, um grupo de americanos marxistas pirados que se diziam contra o racismo, a monogamia e o sistema penitenciário do país, Patty foi ameaçada de morte, torturada e violentada pelo líder do grupo, Donald DeFreeze.

Depois de libertada do cativeiro, juntou-se aos raptores e passou a viver com eles com novo nome “Tania” em homenagem a companheira de Che Guevara, participando de assaltos e outras ações do bando.

“Tania” e um casal foram os únicos sobreviventes do “exército” quando os outros seis mebros (inclusive DeFreeze) foram mortos em confronto com a polícia em Los Angeles.

Reorganizaram o grupo e executaram mais dois assaltos (um com morte de uma mulher grávida), e finalmente presos em setembro de 1975.

Julgada em março de 1976 foi condenada a sete anos de prisão, mas cumpriu apenas 21 meses, tendo a pena comutada pelo presidente Jimmy Carter, muito amigo de seu avô.

Atuou em alguns filmes, como Cry-Baby de 1990 e alguns seriados de televisão, e hoje, aos 61 anos, vive com Bernard Shaw, seu ex-guarda-costas, com quem teve duas filhas.

A síndrome de Estocolmo pode muito bem ser identificada, por exemplo, no clássico conto de Marie le Prince de Beaumont, "A Bela e a Fera".

O que ninguém esperava é que a Síndrome também se desenvolvesse entre governantes, como parece ser o caso dos governos petistas do Brasil.

Embora eleitos democraticamente por uma maioria de milhões de votos, os governos Lula e Dilma padecem do temor diante da falsa ideia de que não existe escapatória se não houver cumplicidade com os raptores.

Os raptores no caso são a mídia que assumiu uma postura de partido político de oposição e industrializou a forma de divulgar notícias que incluí “vazamento” estratégico de notícias sigilosas ainda sendo investigadas e pirotecnia de vocabulários, presunções de culpa e inocência além de defender ideais claramente golpistas.

Reeleita há um ano, Dilma ainda não conseguiu governar, sequestrada por aqueles que perderam nas urnas.

Estranhamente, os governos petistas reduzem-se no enfrentamento dessas agressões, evitando o debate mais aberto e mantendo programas milionários que beneficiam os “raptores” assumindo uma postura que varia da passividade à cumplicidade.

Querem acreditar que os raptores irão gostar deles e alterar posturas.

Enquanto faz de conta que está tudo bem, a apatia dos governos petistas põem em risco a própria sobrevivência da democracia brasileira.

Militantes, simpatizantes, eleitores, de Dilma e de Lula, muitas vezes ficam perplexos diante da passividade assim como os policiais ficavam perplexos diante de fotos de Patty Hearts com metralhadora na mão, assaltando um banco.

Na última viagem da presidenta aos Estados Unidos, na hora da entrevista coletiva que por lá é disputada à unhas e dentes, Dilma, diante da cara de espanto do presidente Obama, concedeu a uma repórter da Globo fazer a primeira pergunta (coisa que nos EUA representa valorização e reconhecimento por parte da autoridade). Fosse Obama e a repórter da Globo ficaria para a última pergunta e nisso nada haveria de ilegal já que é da preferência da autoridade a ordem das perguntas.

Talvez seja necessário que os governos petistas entendam que a defesa da democracia não implica em ser autoritário. A retaliação, dentro dos parâmetros civilizados, faz parte do jogo de pressão que é a essência da política.

Se Leonel Brizola não erguesse sua voz em defesa da Legalidade, a mesma mídia consideraria correta a tomada do poder pelos militares em 1961.

Se alguém erguesse a voz em favor de Getúlio Vargas em 1954, talvez o presidente levasse seu governo até o fim e ainda vivesse muito tempo.

A mídia brasileira jamais aprovará os governos petistas por mais que os governos petistas tentem ser simpáticos e “amiguinhos” da mesma forma que os senhores da Casa Grande jamais defenderão os interesses da senzala.

A mídia brasileira não é neutra e nisso reside um erro gigantesco dos ingênuos. São grandes empresas com grandes interesses aqui e fora do país, e que, defendem seus interesses antes de qualquer outra coisa.

As concessões sempre serão poucas e a exigência de mais concessões sempre será maior, pois o que a elite brasileira quer mesmo é aquilo que ela sempre teve e não se conforma perder, o poder.

Vale ressaltar que, as vítimas da Síndrome de Estocolmo não se reconhecem dentro do quadro doentio. É comum também no caso de violência doméstica e familiar em que a vítima é agredida pelo cônjuge e continua a amá-lo e defendê-lo como se as agressões fossem normais.

Da mesma forma, os governos petistas e seus mais leais e fervorosos defensores, entendem como normais os planos e golpes contra a democracia brasileira.

Pobre país que não tem nem mesmo a esperança de um Jimmy Carter hipotético que lhe indulte os pecados e que perdeu aqueles que não tinham medo da luta.




Prof. Péricles
















quinta-feira, 12 de novembro de 2015

É O MERCADO, ESTÚPIDO


Por Moisés Mendes



Uma das propostas de resgate de fortunas extraviadas que recebi por e-mail neste ano me desafia a buscar US$ 85 milhões no ICBC, o Banco Industrial e Comercial da China.

É o apelo de sempre: o dinheiro abandonado por um investidor poderá ser meu.

Por que sempre tão longe? Por que não no Equador? De qualquer forma, é tentador. É perto dos US$ 97 milhões que Pedro Barusco, o ladrão avulso da Petrobras no tempo do governo tucano, levou para a Suíça.

Foi a primeira vez que recebi tal convite vindo da China.

Tenho e-mails enviados da Síria, do Sudão, da Líbia, da Tunísia, do Azerbaijão.

Ainda me causa estranheza que a terra de Confúcio seja citada entre os lugares de fortunas sem dono. Até pouco tempo, não havia especulação financeira na China, que aos poucos acabou virando essa coisa estranha, disforme, que ninguém sabe direito o que é.

Fortunas de financistas extraviadas na Índia, na Ucrânia, no Paquistão, tudo bem. Mas na China?

E recebo o apelo na hora em que se anuncia que o país vai quebrar. O mundo aguarda a implosão do comuno-capitalismo confuciano.

O que será do povo comunista que investiu loucamente em ações, quando o povo capitalista ocidental tentava se desfazer das suas? De onde os chineses tiraram que o mercado de ações funciona, se desde 2008 as bolsas do mundo rico estão emperradas?

Seria o fim da superbolha chinesa.

Imagine um chinês ainda agarrado à lembrança de Mao Tsé-tung — e ainda em dúvida sobre o que levou o país a esse estranho capitalismo —, agora falido e com um monte de ações que não valem nada.

A China pode ter seu crash de 29, apenas quatro décadas depois da morte de Mao.

Vou esperar o livro Breve Introdução à História da China, que o professor Carlos Eduardo da Cunha Pinent lança agora pela Sulina, para entender a crise de identidade do capitalismo chinês. Gostaria que o professor me ajudasse a decifrar o ódio que certos jovens liberais brasileiros sentem pela ditadura cubana e a adoração que nutrem pela ditadura chinesa.

Um amigo apressado me disse: é o mercado, estúpido. Cuba não tem mercado, nem mão de obra de graça, nem bagulhos baratos. Cuba, estúpido, só tem médicos.

Pobre Mao Tsé-tung.

O estágio superior do capitalismo está vicejando na sua China. Mao não merece. Nem Confúcio.

E muito menos os nossos velhos liberais.




Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS




terça-feira, 10 de novembro de 2015

O ÉDEN AMEAÇADO

Templo de Palmira foi destruído


Mesopotâmia, terra entre rios. Um dos berços da humanidade.

Terra de muitos povos que surgiram, floresceram e desapareceram, mas deixaram sua marca e seu legado.

Tudo testemunhado pelos rios Tigre e Eufrates e seus vizinhos como a Palestina do Rio Jordão e o Egito, a terra dos faraós.

Ali a humanidade aprendeu a escrever em cuneiformes gravados em tabletes de argila, tão antigos quanto os hieróglifos egípcios.

E foi em escrita hieroglífica que ficou registrado o mais antigo código de leis conhecido pelo homem, o Código do grande rei Hamurabi.

“Eu, Hamurabi, pela vontade dos deuses rei de toda a mesopotâmia...”

Suas velhas cidades assistiram o esplendor de povos que cultuavam o prazer do agora e buscavam fazer da vida o melhor passatempo possível.

Segundo os autores bíblicos foi ali que um dia Deus criou o Jardim do Éden, os homens construíram a Torre de babel e onde duas cidades, Sodoma e Gomorra, foram completamente destruídas pela ira de Deus.

Muitas de suas maravilhas, como os Jardins Suspensos da babilônia já desapareceram, muitas outras ainda são perceptíveis através de ruínas e outras ainda estão para serem descobertas.

Mas a Mesopotâmia e seus arredores fica na região mais conflituosa do globo. O Oriente Médio, mais especificamente o Iraque, destruído pelos Estados Unidos e aliados, a Síria, o Irã, o Afeganistão.

Aqui a perversidade anda de mãos dadas com a intolerância e no rastro de exércitos muito mais cruéis do que foram um dia os Assírios do rei Sargão II, os tesouros de sua história convivem com a ameaça de agressão.

A Rússia há algumas semanas entrou no conflito pois o “faz de contas” dos Estados Unidos de combater o tragicômico EI já ameaçava diretamente o governo de seu aliado Bashar al-Assad.

Sem fazer de contas a aviação russa em três semanas destruiu mais da força militar do EI do que EUA e aliados em mais de ano.

Mas os misseis não distinguem os tesouros humanos de seus objetivos, quando lançados, por isso Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo, pede que a UNESCO (órgão da ONU para Educação, Ciência e Cultura), envie peritos para a região para avaliar os danos causados pela guerra ao patrimônio cultural e mapear, com clareza, as regiões de interesse histórico mais importantes e que precisam ser preservadas.

Diga-se de passagem, essa é uma súplica antiga de historiadores do mundo inteiro. 

Historiadores norte-americanos chegaram a entregar por escrito uma carta de recomendação ao presidente Barak Obama, assinalando os pontos mais importantes a serem preservados mas, ao que parece, não foram levados em consideração pelos senhores da guerra.

A questão é urgente como demonstra à demolição do templo de Palmira uma antiga cidade semita de muitas histórias, situada num oásis na província de Homs, a 215 km de Damasco, capital da Síria.

Palmira foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO, mas nem por isso o Estado Islâmico deixou de dinamitar vários lugares, incluindo os antigos templos de Baal (divindade máxima dos mesopotâmios) Marduke e Baalshamin, de onde veio a expressão Belzebaal, ou Belzebu, dos hebreus.

O pedido do Ministro Lavrov tem como base jurídica a Convenção das Nações Unidas de 1954 sobre a proteção de bens culturais em caso de conflito armado.
Os esforços da Rússia para o desenvolvimento das relações culturais entre os países do mundo no âmbito do trabalho da Unesco estão prejudicados por medidas discriminatórias de certos governos para quem os interesses estratégicos e econômicos superam em larga margem os interesses culturais, afirma o Ministro.
Espera-se que os deuses antigos orientem os passos daqueles que, como herdeiros da cultura milenar deixada pelos mesopotâmios, têm a tarefa intransferível de protege-la.


Prof. Péricles

sábado, 7 de novembro de 2015

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES



Por Vitor Nuzzi


Pouca coisa se sabe efetivamente sobre a obra de Geraldo Vandré. Sua carreira de músico profissional foi relativamente curta e prejudicada por um certo folclore alimentado pelo silêncio.


São apenas cinco LPs lançados, de 1964 a 1973, data de seu retorno ao Brasil, após quatro anos e cinco meses de andanças pelo exterior, em uma saída forçada pela repercussão de sua música mais conhecida, Pra não Dizer que não Falei das ­Flores (Caminhando), de 1968.


A partir daí, prevaleceram as lendas. Para usar uma expressão do escritor Eric Nepomuceno, em artigo recente no jornal Valor Econômico, o artista "alcançou píncaros de luz para depois mergulhar numa névoa densa, carregada de perguntas sem resposta e mistérios sem solução".


As perguntas mais recorrentes são se Vandré foi mesmo torturado, se enlouqueceu. Ou por que motivo nunca mais se apresentou no Brasil – seu último show foi do lado paraguaio da fronteira, em 1982. A alguns artistas, como Jair Rodrigues e Ney Matogrosso, chegou a falar em fazer apresentações "nas fronteiras", que nunca aconteceram.


Vandré estava no radar do regime, mas tortura física nunca houve. Talvez algo mais grave tivesse acontecido se ficasse no Brasil. Depois da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, ele permaneceu escondido – na casa de praia do pai de sua namorada, no litoral sul paulista, e depois no apartamento de dona Aracy, viúva de Guimarães Rosa, no Rio de Janeiro, perto do Forte de Copacabana. Os soldados faziam manobras e Vandré, versos.


Durante o carnaval de 1969, ele deixou o país disfarçado em direção ao Uruguai, e de lá para o Chile. Partiu para a Europa, andou pelo Velho Continente, fixou-se na França e, por fim, voltou ao Chile, de onde saiu dois meses antes do golpe que em setembro de 1973 derrubou Salvador Allende e iniciou um período de terror.


Artistas como Caetano Veloso e Chico­ Buarque, presos naquela época, dizem que nos interrogatórios era possível perceber certa "prioridade" dos militares em relação a Vandré. Alguns falavam mesmo em matá-lo, segundo o compositor baiano.


Famoso produtor de festivais, Solano Ribeiro acredita que ele poderia ser morto se fosse preso no pós AI-5. Por ironia, seu último show no Brasil como cantor profissional foi em 13 de dezembro, data do ato institucional, em Anápolis (GO).


O motivo de tanta raiva seriam alguns versos de Caminhando, que teriam sido especificamente destinados aos militares, em um período que culminaria no período mais violento da ditadura.


Em 2007, à então estudante de Jornalismo Jeane Vidal, o autor chamaria sua obra mais famosa de expiação. "Mais do que uma canção, Caminhando foi um desnudamento. Um dizer-se tudo quando era proibido dizer-se quase tudo. Sem ofensas e sem reivindicações. Um relato indeclinável para todos nós, brasileiros, que ali nos reunimos num concurso de arte, sem paradigma e sem igual, até hoje, para mim."


O concurso a que Vandré se refere foi o Festival Internacional da Canção (FIC). Um representante do Brasil seria escolhido previamente para a fase internacional. Ganhou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. Uma música delicada, que tratava do exílio, mas de forma sutil.


O público queria a canção explícita de Vandré e vaiou longamente a decisão dos jurados. Não era exatamente para Tom, mas ficou marcada como a maior vaia que o compositor recebeu.


O médico otorrino José Vandregíselo (do qual se origina o nome artístico) foi ligado ao Partido Comunista, mas seu filho Geraldo nunca foi militante político.


Paraibano de João Pessoa, no Chile, chegou a ser internado para tratamentos psiquiátricos.


Uma condição para a permanência no Brasil foi uma falsa entrevista, forjada pelos militares e exibida no Jornal Nacional, da Globo, um mês depois da real data de seu retorno. Ali, Vandré renegou qualquer uso político de sua obra. Foi uma espécie de retratação, como se dizia na época.


O silêncio foi imposto e também assumido.


Vandré deu entrevista em 1974 para o programa de estreia de Flávio Cavalcanti, mas o censor viu "apologia" à figura do artista e vetou o quadro. O Brasil também era outro.


Para a pesquisadora Dalva Silveira, autora do livro A Vida não se Resume em Festivais, houve uma tentativa do governo autoritário de "apagar Vandré e sua obra da memória coletiva nacional", à medida que a imprensa não podia fazer referência ao seu nome, nem ele podia se apresentar.


Mas o compositor faz também sua crítica à sociedade que, de alguma forma, deu as costas quando ele retornou, doente e fragilizado, e que talvez o preferisse como mártir.


Assim, há muito o que se explorar e descobrir no universo musical criado por Vandré. Sem se preocupar tanto com o festival que representou seu auge e o fim, ao mesmo tempo. Até hoje fala-se em uma possível pressão militar para que Caminhando não ganhasse em 1968.


"A história reserva às peças desse tabuleiro as suas posições corretas, não adianta você mexer. Tanto filme ganha Festival de Cannes e cai no esquecimento em seguida... E tantos filmes que não ganham prêmio nenhum e ficam eternos na memória de todos os cinéfilos", O que traduz este momento? Naquele momento, traduzimos com Caminhando."


Em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde tem vivido nos últimos tempos e onde sua mãe morava (dona Marta morreu em 2011; "seu “José, em 1986), ele se ocupa, fazendo canções e versos em silêncio.





O repórter Vitor Nuzzi lançou em abril o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida.




quarta-feira, 4 de novembro de 2015

QUANDO PARLAMENTARES ANDAVAM ARMADOS

Tenório Cavalcanti

Por Norman P.J. Davis Júnior

A liberação de porte de armas para senadores e deputados federais, aprovada em uma especial da Câmara nesta semana, faz lembrar uma época em que era comum que parlamentares não só andassem armados como resolvessem as querelas políticas na base do tiro e da intimidação.

O caso mais famoso foi o do senador Arnon de Mello, pai do atual senador Fernando Collor (PTB-AL), que assassinou um colega em plenário. Foi em 1963. Arnon de Mello tinha uma disputa com Silvestre Péricles, também de Alagoas, e atirou nele. Mas errou.

Quem acabou atingido foi outro senador, José Kairala, que não tinha nada a ver com a briga dos dois. O senador acabou morrendo horas depois em um hospital. Péricles prometeu em seguida que iria matar Arnon de Mello.

A história começou com Arnon de Mello provocando o rival e o chamando de crápula. Péricles partiu para cima dele e Arnon sacou a arma. João Agripino, da UDN paraibana, tio do atual senador José Agripino, tentou apartar. Péricles se jogou no chão para sacar a própria arma.

Kairala morreu porque tentou separar os dois enquanto Arnon seguia atirando. Arnon e Péricles foram presos, mas logo soltos e absolvidos.
(Não deixa de ser curioso que parte dos envolvidos siga com suas famílias representadas no Congresso)

Outra cena célebre envolve o então deputado Antônio Carlos Magalhães, avô do atual prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. Ele resolveu interromper um discurso de Tenório Cavalcanti, o famoso “homem da capa preta”, que não só andava armado como dava um nome a sua arma: a "Lurdinha".

Cavalcanti acusava um aliado de ACM de corrupção. O baiano retrucou: “Vossa Excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo, é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão”.

Tenório sacou a arma e disse: “Vai morrer agora!” ACM revidou dizendo: “Atira, fdp!”

Tenório não atirou, e passou para o folclore que ACM molhou as calças em plenário. Mas sobreviveu. Tenório disse para a turma do deixa-disso que não se preocupassem. Podem sossegar. Só mato homem!

Seria uma pena, 50 anos depois, descobrir que os parlamentares pensam em
voltar a se armar e que a política nacional pode ter evoluído tão pouco em meio século.








segunda-feira, 2 de novembro de 2015

GUARDIÃO DE CABELOS AMARELOS


A figura de Sepé Tiarajú está fortemente relacionada ao imaginário do gaúcho.

Líder de um povo subjugado e inferiorizado militarmente teve a coragem de lutar pelo que considerava justo e erguer a voz com seu lendário: "Esta terra tem dono!".

Sepé foi brilhante como líder e como guerreiro em campo de batalha, sendo respeitado até pelos inimigos. Acredita-se que sua morte tenha sido premeditada para tira-lo da cena decisiva do conflito, a batalha de Caiboaté.

Como se dariam os fatos da tenebrosa batalha se houvesse a participação de Tiarajú? Jamais saberemos.

Ao longo do tempo, entretanto, a figura de Sepé foi sendo “europeizada” e “cristianizada” a ponto de ser visto como um santo popular dos católicos do Rio Grande.

Nas representações gráficas sua imagem abandonou o estereótipo guarani para adotar uma postura e rosto do “homem branco”.

Os Guaranis de hoje reclamam dessa “desindianização” do mito e alegam ser essa mais uma grande injustiça contra seu povo.

Como diz Werá Tupã (também chamado de Leonardo), tido como um dos mais destacados intelectuais indígenas do sul do país, “ninguém pode continuar pensando que perdemos a memória”.

Ele faz parte de um grupo de guaranis que vem pesquisando fatos históricos e episódios lendários com o objetivo de reapresentá-los ao povo brasileiro de um modo diferente daquele que se tornou predominante.

Um dos temas, cujo estudo demorou anos e ainda não está totalmente concluído, é a verdadeira história de Sepé Tiarajú.

Segundo Werá Tupã: Os homens da Igreja católica apossaram-se da figura heroica, metamorfoseando-a quase num branco que era índio por acaso.

Os livros falam que ele "abraçou a doutrina cristã" e foi "o mais ardoroso defensor da obra dos jesuítas"; que "seus mestres foram os padres"; que ele lutou "sugestionado pelos religiosos"; que "foi criado pelos jesuítas"; Werá Tupã discorda de tudo isso.

“Ele pertencia a um outro povo indígena que não conseguimos identificar. Ele foi adotado pelos guaranis e criado como um dos nossos".

Essa já é uma declaração bombástica de Leonardo, Sepé, era índio sim, mas não Guarani. E prossegue.

Quando ele tinha dois anos de idade, sua aldeia, que ficava no Rio Grande do Sul, foi atacada por portugueses ou espanhóis. Os guaranis correram para ajudar, mas o lugar já tinha sido invadido e quase todos tinham sido massacrados.

Os guaranis salvaram o menino e o levaram para uma aldeia nossa, perto da missão de São Miguel. Um casal adotou ele. O avô da família era um pajé muito poderoso e o menino adorava ele.

Uma coisa que quase ninguém sabe é que o nome certo dele não era Sepé Tiarajú. Esse era o jeito que os padres das missões entenderam e escreveram.

Seu nome era Djekupé A Djú, que significava "Guardião de Cabelo Amarelo".

"Guardião" porque era um guerreiro e "cabelo amarelo" porque não tinha o cabelo bem preto como os guaranis, era meio castanho. Mas era índio mesmo, não mestiço.

O destino de guerreiro (e não pajé como o avô adotivo) foi porque ele era revoltado com os brancos e tinha gratidão pelos guaranis. Queria lutar pelos guaranis. É que, na aldeia, nunca esconderam dele a sua história, tudo que tinha acontecido no ataque.

Os jesuítas não criaram ele, mas ia sempre nas missões porque aprendia tudo que pudesse com os padres. Foi assim que aprendeu a língua espanhola.

Sepé articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava.

Foi assassinado numa emboscada, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.

As pesquisas a respeito de Sepé baseiam-se na história oral, preservada na memória de índios centenários que viveram no Rio Grande do Sul.

Resgatar a memória de Sepé Tiarajú, em nada diminuí seu espaço na galeria de heróis da liberdade, e é fundamental para se fazer justiça histórica a esse mito que sobrevive ao tempo nas histórias contadas e recontadas em torno no fogo de chão.


Prof. Péricles