terça-feira, 28 de julho de 2015

DO ÓDIO À ESPERANÇA


Por Frei Betto



Sabem os publicitários que uma mentira repetida reiteradas vezes acaba aceita como verdade. É o caso dos sucos de caixinhas, vendidos como “naturais”. E ainda há quem pergunte por que tanta incidência de câncer…

A Operação Lava-Jato presta excelente serviço à nação. Leva corruptores à cadeia e traz à luz bilionárias somas de recursos públicos destinadas a favorecer interesses privados.

Mas por que a Lava-Jato é um samba de uma nota só? Será que houve corrupção apenas no governo do PT? E por que o Judiciário permite o vazamento de depoimentos especificamente centrados no PT? Algum diretor de revista anda corrompendo investigadores da Lava-Jato para obter o conteúdo dos depoimentos dos réus antes que cheguem à Justiça?

O fato é que se criou, no Brasil, um clima de amargura e ódio. Amargura, porque Dilma prometeu na campanha o contrário do que faz agora: não tocar nos direitos dos trabalhadores. O ajuste fiscal desajusta as conquistas obtidas nos últimos 12 anos. Estão de volta a recessão, os juros altos, a inflação e, em consequência, o desemprego, a retração da indústria e o fechamento de lojas. Após 12 anos de avanços, o Brasil dá marcha a ré.

O ódio resulta da falta de consciência política. Quando não se consegue racionalizar uma experiência traumática, o ódio emerge. Por isso se procura terapia quando as emoções são embaralhadas pelo ódio e a visão obnubilada pela sensação de desespero.

Ou se busca uma “saída” no gesto vingativo: o jovem branco que, em nome da supremacia “ariana”, extermina negros em uma igreja, ou o Exército Islâmico que, em nome de Deus, degola inimigos…

Muitos me perguntam se guardo ódio dos torturadores de meus tempos de prisão. Digo com sinceridade: não. Assim ajo, não por virtude, mas por comodismo. Aprendi que o ódio destrói primeiro quem odeia e não quem é odiado. Shakespeare já havia dito o mesmo com mais estilo: “Odiar é tomar veneno esperando que o outro morra”.

O PT promoveu a inclusão econômica de milhões de brasileiros, mas se omitiu quanto à inclusão política. Não politizou a nação. Não organizou os trabalhadores. Não fortaleceu os movimentos sociais. Ao contrário, estimulou o sonho consumista e, agora, é vítima da síndrome da criança impedida de tomar sorvete – a carência gera frustração e raiva.

Resta à sociedade civil descruzar os braços e não esperar dos políticos no poder. É hora de arregaçar as mangas e reorganizar a esperança. Com meros protestos não sairemos dessa depressão cívica. Há que ter propostas.

O Brasil soube dar a volta por cima diante de muitos períodos críticos, tanto na monarquia quanto na República. Precisamos é deixar de lamentar e articular em especial os jovens e os movimentos sociais.


Frei Betto, é escritor.

sábado, 25 de julho de 2015

FRANCO E MADALENA



Ela era filha e neta de espanhóis, mas nascida aqui na querência mais ao sul do Brasil.

Tinha os cabelos negros, pouco abaixo dos ombros e olhos graúdos numa face pálida e linda.

Deveria ser acompanhada por uma placa de trânsito: “curvas perigosas”.

Porque eram harmoniosas, generosas, sonhadoras, mas, extremamente sinuosas.

Na base de tudo isso, um par de pernas que, naqueles tempos de minissaia provocavam a imaginação do mais sem imaginação da turma.

Seu nome era Madalena, Mada para os amigos.

O macharedo parava tudo quando ela passava, e ficava aquele silêncio que fazem os predadores quando uma presa deliciosa aparece em seu território.

O alvo de desejo de 11 em cada 10 marmanjos.

Era difícil achar um defeito naquela filha de Afrodite, pois junto com a escultura brilhava um sorriso derretedor de pedras, um jeito de ajeitar os cabelos que provocava convulsões e espasmos de desejo.

Naturalmente, era também, o alvo do pensamento de seus colegas de turma na faculdade. Quase todos militantes de partidos e organizações de esquerda, proibidas naqueles duros tempos de ditadura e de repressão.

Simpática, simples e inteligente, era quase uma lenda na faculdade, o que, como sempre, provocava o ódio e a inveja do pessoal da engenharia.

Que injustiça, diziam eles, que negavam a nós os “comunistas”, qualquer direito à felicidade, uma mulher dessas fazendo o curso de história.

Mas, se é verdade que a perfeição não existe, também é verdade que nenhuma dor dói mais do que a decepção.

Mada, oh céus, era fã do odiado General Franco.

Francisco Franco, o generalíssimo que liderou os fascistas na Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939 e que destruiu a democracia socialista que florescia no país.

Franco, que apoiara Hitler e Mussolini na segunda guerra e que fora responsável por milhares de mortes, prisões e torturas nos longos anos em que governou a Espanha com mãos de ferro até sua morte em 1975.

Não, era insuportável ouvir Mada falando bem de Francisco (Franco).

Para aqueles militantes da esquerda a contradição entre a bela Mada e seu horrendo discurso lembrava Médici fazendo balõezinhos com uma bola e se fazendo de bom moço.

Era uma missão estratégica traze-la para os domínios da razão e às verdades da democracia.

Como ela olhava com um pouco mais de atenção um dos nossos bravos heróis da resistência, formulou-se uma missão de guerra.

Claro que nosso companheiro de lutas que era olhado um pouco mais devagar pelos olhos límpidos de Mada, era a peça chave no nosso plano.

Nosso herói deveria penetrar no território inimigo e após efetivar a conquista, resgatar Mada para “nosso lado”. Muito simples.

Freneticamente, o plano foi elaborado e posto em ação.

Todos passaram a falar maravilhas do nosso combatente fazendo com que as maravilhas chegassem as lindas orelhinhas de nosso alvo.

Nas cervejadas depois das aulas, todas as amigas dela (incluindo algumas detestáveis infiltradas) eram convidadas para ter certeza que ela compareceria.

A cadeira ao lado dela, claro, era estrategicamente reservada ao nosso herói.

E assim as coisas foram indo. Tudo era feito para deixa-los juntos.

Para a felicidade do alto-comando tudo estava dando certo, e a primeira vez que os vimos de mãos dadas comemoramos com abraços emocionados.

E quando soubemos que, aquela noite seria a primeira entre os dois, preparamos nosso íntimo para a vitória certa.

No dia seguinte, todos nós reunidos na faculdade esperávamos pelo nosso guerreiro.

Já imaginávamos Madalena com a camiseta do Tche. Ficaria muito mais linda.

Ele chegou sorridente e acompanhado e ao se aproximar do grupo sentimos um inevitável arrepio ao ver que Mada vestia uma camisa escrito “Viva Franco”.

Passaram por nós de mãos dadas, e antes de dobrar o corredor ainda disse “Até la vista Compañeros”.

Havíamos perdido nosso agente em combate. Para sempre...

Aprendemos que o amor é maior, bem maior, que a ideologia.

Maldito Franco!



Prof. Péricles

quinta-feira, 23 de julho de 2015

O PRESÍDIO E A CLIENTELA


Por Roberto Malvezzi



O mercado criado em torno de presos e presídios movimenta muito mais grana que a imaginação popular possa ver. Só o mercado de quentinhas servidas aos 715 mil presos no Brasil (4º maior população carcerária do mundo) movimenta cerca de dois bilhões de reais ao ano.

Quando você vai conferir quais empresas fornecem essas quentinhas, muitas delas são de políticos ou de parentes deles, como é o caso dos Perrela em Minas Gerais. Além do mais, essas empresas também são financiadoras de campanhas eleitorais (Os mercadores das cadeias, Carta Capital).

Além do mais, 30 grandes presídios brasileiros estão privatizados. Nesse sentido, cada preso é um cliente. Portanto, presídios lotados são evidências de lucros, presídios vazios são sinais de prejuízos, como em qualquer hotel.

O detalhe é que cada preso em presídio privado é pago com o dinheiro público. A Pastoral Carcerária estimou em R$ 3.000,00 o custo de cada preso privado para o Estado.

Poderíamos investir esse dinheiro em escolas, mas preferimos investir em presídios.

Eduardo Cunha conseguiu reduzir a maioridade penal. Votaram com ele o PMDB, o PSDB, o DEM e outros partidos, gente da oposição e da tal “base aliada”. Sem dúvida, a indústria dos presídios está feliz com eles. Haverá mais clientes para suas empresas.

Não haverá nenhuma redução da violência no Brasil ao se reduzir a maioridade penal. Pelo contrário, vamos fortalecer as facções que dominam os presídios em todo o Brasil.

Ali o preso não tem escolha, ou participa de alguma facção, ou ele e sua família estarão marcados para morrer.

Portanto, nessa votação há interesses econômicos e eleitoreiros, mas nenhum interesse na paz e na justiça. Teremos outras votações antes da decisão final, mas com tantas manobras talvez a razão tenha poucas chances.

Menores de 18 podem cometer crimes hediondos, sim. Mas, em casas de ressocialização muitos são recuperáveis. Nos presídios, nunca. Os congressistas sabem, mas por todos os motivos acima, preferem jogar os adolescentes na jaula dos leões.

Assim o Brasil vai se tornando cada vez mais uma sociedade policialesca, repressiva, mas não de paz.

Como diziam os profetas da antiguidade, ou mesmo os da modernidade – como Gandhi, Luther King, Mandela e Papa Francisco -, a “paz é fruto da justiça”, não dos presídios e da repressão policial.


Roberto Malvezzi é músico, Filósofo e Teólogo.

terça-feira, 21 de julho de 2015

VÍRUS CUNHA



Por Mário Augusto Jakobskind

Os jornalões e os telejornalões estão apresentando o Brasil mergulhado no abismo. As edições diárias mostram um quadro catastrófico, sendo que alguns colunistas não escondem o objetivo de detonar a Presidenta Dilma Rousseff.

O quadro é de crise política estimulada pela mídia conservadora, como pode se verificar através de vários exemplos.

Na edição do último domingo, Élio Gaspari, herdeiro dos arquivos do coronel Golbery do Couto e Silva e do general Ernesto Geisel repete diversas vezes o que tinha dito na edição do dia anterior o presidente reeleito do PSDB, Aécio Neves Cunha.

Élio Gaspari, parecendo ter baixado nele o espírito maligno do coronel Golbery, perguntou inúmeras vezes em sua coluna se Dilma conseguirá completar o mandato de quatro anos. Golbery, o eterno golpista, não faria melhor.

Na mesma linha, o imortal Merval Pereira diariamente reproduz reflexões que objetivam convencer os leitores que Dilma Rousseff não vai resistir por muito tempo. Para ele, o governo chegou ao fim.

Nos telejornalões o noticiário não fica muito atrás em matéria de apresentar o país em crise violenta e sem perspectiva. É a tal coisa, como o papo catastrófico tem se repetido constantemente, o telespectador acaba convencido de que o Brasil caiu mesmo no abismo.

É a técnica de Joseph Goebbels, o responsável pela propaganda do III Reich nazista com a utilização da técnica de que uma mentira repetida várias vezes acaba virando uma verdade.

Fazendo dobradinha com o noticiário catastrófico, na área política, além de Aécio Neves Cunha, um outro Cunha, o Eduardo, que preside a Câmara, visivelmente passou dos limites. Tornou-se um câncer político a ser removido. E sob pena de se não o for acabar tornando-se uma metástase que fere de morte todo o corpo político.

Os dois Cunhas, segundo o noticiário, têm se encontrado, o que é um mau sinal para a democracia brasileira.

Neves Cunha até hoje não se conforma com a derrota sofrida no segundo turno presidencial, em outubro do ano passado. Já o presidente da Câmara dos Deputados conseguiu, através de manobra torpe que os parlamentares aprovassem, mudando de opinião em menos de 12 horas, a redução da maioridade penal para 16 anos.

Eduardo Cunha subverteu o regimento que impede a votação de um projeto derrotado numa mesma legislatura. Graças a esse jogo sujo, a vingança venceu e se isso prevalecer na votação no Senado e novamente na Câmara, os menores entrarão nas prisões com canivetes e facas e lá vão se especializar no uso de revólveres e metralhadoras.

A manobra de Cunha, segundo o próprio, teve por objetivo satisfazer a opinião pública apoiadora da redução da maioridade penal por estar envenenada pelo espírito de vingança, com o apoio da mídia conservadora.

Na verdade, Eduardo Cunha se empenhou em causa própria, porque em sua campanha, segundo a revista Galileu, ele obteve financiamentos empresariais dos mais diversos, inclusive da Ambev (Companhia de Bebidas das Américas), produtora e comercializadora de cervejas. Ambev, por sinal, de propriedade de Jorge Paulo Lemann, acusado de financiador de um esquema golpista.

Nesse sentido, cabe uma pergunta que não quer calar: sendo Eduardo Cunha um notório evangélico, como se explica ele ter aceitado que uma entidade cervejeira tenha doado um milhão de reais para a sua campanha? Pode ser que para neutralizar esse apoio Cunha tenha aceitado, como consta também da Galileu, 550 mil reais da Coca Cola e assim sucessivamente.

Como se não bastasse, ainda segundo a revista Galileu, Eduardo Cunha em abril do ano passado foi o relator de uma medida provisória que perdoava dois bilhões de reais dos planos de saúde. E meses depois o mesmo Cunha recebeu para a sua campanha doação de 500 mil reais por parte da Bradesco Saúde e Vida e Previdência, um dos maiores planos de saúde do Brasil.

Eduardo Cunha, como Aécio Neves Cunha, tem um objetivo primordial, o poder a qualquer preço. Eduardo agora quer porque quer que o Parlamentarismo volte à ordem do dia, não bastasse a rejeição dessa forma pelos eleitores em duas oportunidades, em 1963 e na década de 90.

É por aí que passa a atual crise brasileira, que remete (como farsa) também a 1954 e 1964, quando empresários e militares se uniram, primeiro para detonar Getúlio Vargas, golpe evitado com o sacrifício heróico do Presidente e dez anos depois com a derrubada do Presidente constitucional Jango Goulart.

Aí, vale repetir, esteve em cena o Coronel Golbery do Couto e Silva, que doou seus arquivos para o jornalista Élio Gaspari.


Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil).

sábado, 18 de julho de 2015

PROF. CARLOS - PRECISAMOS FICAR VISÍVEIS

Meu amigo e colega Prof. Carlos é distante. Mais exatamente, de Sergipe, aquele pedaço abençoado do nordeste do Brasil.

Entretanto muitas coisas nos aproximam, além da virtualidade.

Nós dois somos professores da área das humanas. Eu na história, ele na Geografia.

Além disso, nós dois estendemos nosso olhar sobre a paisagem política de nosso tempo com aquela ânsia de vermos se consolidar no Brasil, uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Diriam os conservadores como somos de “esquerda”. Mas discordo. Somos sonhadores e sonhadores não se rotulam pelo lado que olha, pois, todo olhar de sonhador sai assim, de revesgueio e navega livremente, pois é livre o olhar de quem ousa sonhar.

Somos amantes inveterados de nossa respectiva terra mãe. Eu apaixonado por minha Porto Alegre, ele, encantado por sua Itabaiana de seres e contos mágicos.

O prof. Carlos, o Antônio Carlos, é bem assim.

Apesar da Licenciatura em Geografia, no Pós-Graduação em Didática do Ensino Superior e de seus 21 anos como professor, não deixou de ser aquela criança encantada por Itabaiana que sonha com um Brasil mais solidário e companheiro, ele diria Itabaianado.

Não somos irmãos de carne, mas somos irmãos em esperança. Esperança num mundo de inclusão, de oportunidades, de igualdades e de progresso.

Entendemos que, enquanto Estado se define por território e soberania, pátria se define por povo, e é esse povo mais humilde que é a nossa pátria.

Por isso, peço a todos os meus amigos, leitores, alunos, companheiros. A todos os que navegam pelo nosso humilde Blog que, conheçam também o Blog de meu colega.

Você pode encontra-lo em HTTP://carlos-geografia.blogspot.com.br.

Para os interessados em assuntos de educação tem ainda o HTTP://debatendo-a-educacao.blogspot.com.br.

Tenho certeza que você irá gostar, e muito, dos textos que tem por aquelas bandas virtuais. Muitos de autoria do próprio Carlos e outros de textos selecionados de outros autores.

Por enquanto, deixo vocês com “PRECISAMOS FICAR VISÍVEIS”, de autoria de meu amigo.

Divirtam-se.


PRECISAMOS FICAR VISÍVEIS

O grande tema atual em nível nacional é referente aos Conselhos (de Educação, de Segurança, de Comunicação, etc.) e o grande problema é que a chamada Grande Imprensa está denunciando como censura o interesse da sociedade de controlar os meios de comunicação existente.

De acordo com a nossa constituição, a comunicação (não confundir com os equipamentos de comunicação) é um direito de todo cidadão e é considerado um direito universal pelos Direitos Humanos.

Também, de acordo com a nossa Constituição Federal, é vedado a concentração e controle de diversos meios de comunicação por uma única família.

Mas, como convencer todos os cidadãos brasileiros que a comunicação é um Direito Universal e está garantido na nossa Constituição Federal. Por que o cidadão não vê a comunicação como um Direito Universal igual ao Direito a Saúde e ao Direito a Educação?

Essa concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias (e também em uma região) traz vários problemas. Todo o conteúdo apresentado irá ser de acordo (os proprietários irão ditar as normas) com a vontade e o que for de interesse dessas poucas famílias que controlam a comunicação.

Isso está levando o brasileiro a não ver, ouvir e falar o Brasil como ele realmente é.

Mesmo na Região Sudeste (onde se concentram a grande maioria dos meios de comunicação), as pessoas estão perdendo a sua identidade. Basta ver a quantidade de expressões em inglês que se utiliza em todas as áreas da sociedade. Chegou ao cúmulo do Jornal O Globo (on Line) apresentar (em algumas ocasiões) o nome Brasil grafado com z (Brazil).

No Jornal Nacional (TV Globo) chegou a ocultar informações sobre o candidato à presidência de sua preferência.

Essa maneira de fazer comunicação é que está levando os brasileiros a tirarem conclusões erradas, até sobre si mesmo, por falta de informações de nós mesmos.

Como exemplo temos os nordestinos que passam tanto tempo vendo e ouvindo esses meios de comunicação, que geralmente só mostram a maneira de falar e viver das Regiões Sudeste-Sul, que estranham a própria maneira de falar, das músicas e tradições deles próprios.

Nesse controle, pelos donos dos meios de comunicação, o brasileiro está conhecendo cada vez menos o seu próprio país, basta ver os as manifestações racistas e os argumentos utilizados por tais pessoas.

Precisamos urgentemente ver o Brasil que precisamos e não sermos obrigados a ver o Brasil que os donos dos meios de comunicação (e seus patrocinadores) nos impõem censurando o que não gostam ou acham errados.

Antônio Carlos Vieira
Prof. Carlos

IGREJA EM SAÍDA


Por Leonardo Boff

Celebrando ainda a extraordinária encíclica sobre “o cuidado da Casa Comum”, voltamos a refletir uma perspectiva importante do Papa Francisco, um verdadeiro logotipo de sua compreensão de Igreja: “uma Igreja em saída”.

Essa formulação encerra uma velada crítica ao modelo anterior de Igreja que era uma Igreja “sem saída” devido aos diversos escândalos de ordem moral e financeira, o que forçou o Papa Bento XVI a renunciar, uma Igreja que perdeu seu melhor capital: a moralidade e a credibilidade dos cristãos e do mundo secular.

A “Igreja em saída” quer marcar uma ruptura com aquele estado de coisas. Essa palavra “ruptura” irrita os representantes do establishment eclesiástico. Mas nem por isso deixa de ser verdadeira. E então se coloca a pergunta: “saída” de onde para onde? Vejamos alguns passos:

– Saída de uma Igreja-fortaleza que protegia os fiéis contra as liberdades modernas para uma Igreja-hospital de campanha que atende a toda pessoa que a procura, pouco importa seu estado moral ou ideológico.

– Saída de uma Igreja-instituição absolutista, centrada em si mesma para uma Igreja-movimento, aberta ao diálogo universal, com outras Igrejas, religiões e ideologias.

– Saída de uma Igreja-hierarquia, criadora de desigualdades para uma Igreja-povo de Deus, fazendo de todos irmãos e irmãs: uma imensa comunidade fraternal.

– Saída de uma Igreja-autoridade eclesiástica, distanciada dos fiéis ou até de costas a eles, para uma Igreja-pastor que anda no meio do povo, com cheiro de ovelha e misericordiosa.

– Saída de uma Igreja-Papa de todos os cristãos e bispos que governa com o rígido direito canônico para uma Igreja-bispo de Roma, que preside na caridade e só a partir daí se faz Papa da Igreja universal.

– Saída de uma Igreja-mestra de doutrinas e normas para uma Igreja de práticas surpreendentes e do encontro afetuoso com as pessoas para além de sua inscrição religiosa, moral ou ideológica. As periferias existenciais ganham centralidade.

– Saída de uma Igreja de poder sagrado, das pompa e circunstância, dos palácios pontifícios e titulaturas de nobreza renascentista para uma Igreja-pobre e para os pobres, despojada de símbolos de honra, servidora e porta-voz profética contra o sistema de acumulação de dinheiro, o ídolo que produz sofrimento e miséria e mata as pessoas.

– Saída da Igreja-que fala dos pobres para uma Igreja-que vai aos pobres, conversa com eles, abraça-os e os defende.

– Saída de uma Igreja-equidistante dos sistemas políticos e econômicos para uma Igreja-que toma partido em favor das vítimas e que chama pelo nome os produtores das injustiças e convida a Roma representantes dos movimentos sociais mundiais para discutir com eles como buscar alternativas.

– Saída de uma Igreja-automagnificadora e acrítica para uma Igreja-da verdade sobre si mesma contra cardeais, bispos e teólogos zelosos de seu status, mas com cara de “vinagre ou de sexta-feira santa”, “tristes como se fossem ao próprio enterro”, enfim, uma Igreja feita de pessoas humanas.

– Saída de uma Igreja-da ordem e do rigorismo para uma Igreja-da revolução da ternura, da misericórdia e do cuidado.

– Saída de uma Igreja-de devotos, como aqueles que aparecem nos programas televisivos, com padres artistas do mercado religioso, para uma Igreja-compromisso com a justiça social e com a libertação dos oprimidos.

– Saída de uma Igreja-obediência e da reverência para uma Igreja-alegria do evangelho e de esperança ainda para esse mundo.

– Saída de uma Igreja-sem o mundo que permitiu surgir um mundo sem Igreja para uma Igreja-mundo, sensível ao problema da ecologia e do futuro da Casa Comum, a mãe Terra.

Estas e outras saídas mostram que a Igreja não se reduz apenas a uma missão religiosa, acantonada numa parte privada da realidade. Ela possui, além disso, uma missão político-social no sentido maior desta palavra, como fonte de inspiração para as transformações necessárias que resgatem a humanidade para um tipo de civilização do amor e da compaixão, que seja menos individualista, materialista, cínica e destituída de solidariedade.

Esta Igreja-em-saída devolveu alegria e esperança aos cristãos e reconquistou o sentimento de ser um lar espiritual. Granjeou pela simplicidade, despojamento e acolhida no amor e na ternura, a estima de muitas pessoas de outras confissões ou de simples cidadãos do mundo e mesmo de chefes de Estado que admiram a figura e as práticas surpreendentes do Papa Francisco em favor da paz, do diálogo entre os povos e da renúncia a toda violência e a guerra.