domingo, 21 de setembro de 2014

VOTO OBRIGATÓRIO



Muitos brasileiros associam democracia com eleições. Cidadania com direito ao voto.

Essa idéia extremamente inibidora do conceito de democracia não sobrevive a um raciocínio rápido sobre o que seja o voto e sua história no Brasil.

O voto obrigatório, por exemplo, é uma das heranças mais arcaicas do autoritarismo ainda em vigor no nosso país.

O voto obrigatório é uma bizarrice, mas não a única.

No período colonial quando o voto se restringia à escolha dos “homens bons” que formavam as câmaras municipais, o analfabeto, imensa maioria nessas terras votava através do “voto cochichado”, isso é, uma pessoa, geralmente funcionário do rei, ouvia em quem os que não sabiam escrever desejavam votar.

No período Monárquico, tivemos o voto censitário, definido na Constituição de 1824 e em vigor durante todo o período (1822-1889).
Esse tipo de voto só permitia que fosse eleitor aquele que comprovasse uma renda mínima anual (100 contos de réis).
Por incrível que pareça, o voto censitário era considerado democrático, pois, seus defensores argumentavam que era um estímulo ao trabalho e à riqueza do não eleitor que desejasse votar nas eleições seguintes.

Os analfabetos continuaram votando durante o Império, pois o “voto cochichado” sobreviveu, mas, em 1881 perderam esse direito graças a promulgação da Lei Saraiva (Decreto 3029 de 9 de janeiro de 1881) que instituiu o chamado “voto literário” proposto por Rui Barbosa que exigia que o eleitor soubesse ler e escrever corretamente.

Na primeira república brasileira, o voto foi definido pela Constituição de 1891. Não era mais censitário e sim universal.

Poderiam votar todos os cidadãos brasileiros, menos, e isso é muito importante, menos, mulheres, analfabetos e alguns postos religiosos e militares. Em outras palavras, era universal, mas excluía a maioria.

Além disso, o voto da República Velha, não era secreto, e sim, a descoberto, não havia justiça eleitoral e as eleições eram fiscalizadas pela Comissão Verificadora, um órgão do próprio governo.

Com a criação do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral no país em 1932, começa nova batalha dos analfabetos para reconquistar o exercício do voto. No entanto, sucederam-se governos e regimes, vieram novas Constituições (1937, 1946, 1967) e o voto permaneceu proibido às pessoas analfabetas.

O voto de nossa atualidade está estabelecido no seu artigo 14 “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Estabelece a obrigatoriedade do voto a partir dos 18 anos no inciso I do parágrafo primeiro, e facultativo para os maiores de 16 e menores de 18, e ainda para os acima de 70 anos no seu inciso II.

A reforma política proposta pela Presidenta Dilma através de uma constituinte específica, deverá, necessariamente discutir a obrigatoriedade do voto.

Afinal, se o voto por si mesmo define a democracia, indubitavelmente que melhor seria que ele fosse totalmente facultativo, visto que preserva o direito de quem não quer votar e ainda, permite que o índice de abstenção, seja reconhecido também, como a expressão do povo em relação à satisfação com os políticos que o representam.

Se temos hoje, muitas conquistas a comemorar, o voto obrigatório ainda é um atraso a ser superado.


Prof. Péricles

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

UM PAÍS DE MENTIRAS - 02





Após o fim da Monarquia nosso país continuou vocacionado às mentiras.

Para valorizar o preço do café, em 1906, o governo passou a comprar o próprio produto para retirá-lo do mercado diminuindo a oferta e forçando a valorização do produto no mercado internacional. Todos os brasileiros pagavam para manter a mentira do café valorizado (Convênio de Taubaté).

Fizemos em 1930, uma revolução que manteve as mesmas bases sociais anteriores, e, em 1932 São Paulo se puxou, produzindo um grande espetáculo mentiroso, a Revolução Constitucionalista Paulista, que não era revolução, bem pelo contrário, de certa forma era reacionária, não era Constitucionalista porque o presidente (Getúlio Vargas) já havia convocado uma constituinte, e não era apenas paulista devido ao dinheiro apoio de grupos do Rio Grande do Sul, inimigos de Vargas.

Foi o único país da América do Sul a enviar jovens pra lutar na Europa durante a segunda guerra mundial, numa guerra que não era sua, após torpedeamento de navios brasileiros por submarinos pretensamente alemães, mas, até hoje não identificados.

Após Getúlio Vargas vem um período em que as mentiras se multiplicam.

Um presidente que jurava desenvolver o país na proporção de cinquenta anos em cinco, Juscelino criou a imagem de um Brasil que se desenvolvia, mas isso era mentira, pois o desenvolvimento era financiado por empresas estrangeiras que encontravam no Brasil um verdadeiro Édem.

Outro Presidente jurou que iria varrer a corrupção do país e leva-lo ao desenvolvimento real. Em apenas oito meses de governo, antes de renunciar estupidamente, Jânio Quadros reatou relações diplomáticas com a Rússia e condecorou o herói revolucionário Ernesto Tche Guevara, enquanto, internamente, fortalecia as forças anticomunistas do país.

E teve ainda um presidente comunista que nunca foi comunista, João Goulart, derrubado por um golpe militar brasileiro, financiado e orquestrado pelos Estados Unidos.

No país que adora mentiras, a Ditadura Militar durou 20 anos, sendo que em metade desse período jurou não ser uma ditadura, manteve a Constituição embora governasse por Atos Institucionais e Decretos e permitia a existência de um Partido de Oposição, o MDB, desde que esse não fizesse oposição. A outra metade a ditadura usou para desmanchar a barraca e voltar para os quartéis, não sem antes outorgar uma Lei de Anistia que perdoava a si mesma, aos torturadores e aos falecidos torturados.

E o Brasil não teve eleições diretas ao fim da Ditadura, mas teve um presidente popular eleito por via indireta (Tancredo Neves) que morreu sem governar um só dia.

Um Plano econômico que congelou preços e salários em 1986, até o governo do PMDB vencer as eleições de 15 de novembro, acabando o Plano e subindo tudo junto com uma gigantesca inflação. Já, no dia 16.

Fomos por muitos anos o 8º PIB do mundo, mas sempre tivemos os pobres mais pobres do planeta.

Elegemos um presidente em cima de suas ideias, que pediu para esquecê-las assim que chegou ao poder, o mesmo que fumava maconha mas não tragava. Como confiar em alguém que fuma mas não traga?

O Brasil, um país que nega existir racismo, onde membros de igrejas evangélicas classificam homossexualismo como doença, mas não respondem por homofobia, onde se estigmatizou ser de um dos povos mais pacíficos do mundo e que, entretanto massacrou outro país até as raias do inimaginável (o Paraguai) é realmente um país vocacionado e fadado às mentiras.

De certa forma, a história do Brasil tem, por isso mesmo, um pouco de drama e um pouco de comédia.
E seu povo, um pouco de vítima e um pouco de cúmplice.


Prof. Péricles












domingo, 14 de setembro de 2014

REVOLUÇÃO FARROUPILHA, O MITO


O movimento farroupilha, como em todos os anos, sacode o estado do Rio Grande do Sul, em comemoração ao início das ações militares em 20 de setembro de 1835 (179 anos).

Envolto em lendas e mitos a Guerra dos Farrapos criou uma imagem aceita e defendida pela imensa maioria dos gaúchos. Por isso mesmo, é assunto espinhoso, já que algumas críticas necessárias para entender melhor o fato, provoca reações, no mínimo, de desconforto, inclusive, entre professores de história.

Segundo a imagem romanceada, a “Revolução Farroupilha” foi a luta e o sacrifício do povo gaúcho, unido contra o Império opressor que, sediado no Rio de Janeiro, era surdo às necessidades da Província. Uma luta inglória, do Rio Grande contra todos, em nome da liberdade, do fim da escravidão e por uma república independente.

Vamos analisar melhor esse manancial de mitos.

1. Começando pelo próprio nome. A “Revolução Farroupilha” jamais foi uma revolução. Revoluções são fenômenos transformadores, que não apenas reformam, mas, redefinem sistemas, economias, sociedades, etc. O movimento Farroupilha começou como mais uma das revoltas regenciais que se multiplicaram no período 1831-1840, tornou-se Guerra Civil com a Proclamação da República Rio-grandense, em 1836 e jamais foi vista além de uma rebelião pelo governo imperial. Além de não propor alterações sociais profundas o movimento era conservador, visto ser liderado totalmente por grandes estancieiros, a elite local, e seus aliados.

2. Sua causa principal foi o descaso com que o governo central tratava a concorrência sofrida por nossos produtos pelos produtos platinos, particularmente, o charque.

Na verdade, embora o governo dos regentes não primasse pela atenção das necessidades das elites estancieiras, o buraco era mais embaixo. A desvantagem do charque, por exemplo, devia-se ao fato de ser produzido por mão de obra assalariada no Uruguai e mão de obra escrava no Rio Grande do Sul. Na época, o trabalho escravo já não era rentável e perdia em produtividade para o trabalho assalariado, com o que, podemos concluir que, a maior responsabilidade pela desvantagem econômica era estrutural (a escravidão) e não comportamental, como sugeriam os líderes farroupilhas.

3. A guerra foi uma luta entre o Brasil contra os gaúchos.

Para essa afirmação fazer sentido, seria necessário o apoio unânime ou quase unânime da população gaúcha ao movimento. Isso jamais aconteceu. A maior parte da população do Rio Grande do Sul permaneceu fiel ao Império e indiferente aos apelos por uma união contra o Brasil. Porto Alegre, por exemplo, a capital da Província, sempre foi em sua quase totalidade inimiga dos farroupilhas. A “Bronze” (de onde vem a denominação de altos da bronze, no centro histórico), a mais famosa prostituta de Porto Alegre, era uma entusiasmada propagandista do império, e levava a defesa da manutenção da união do Rio Grande ao Brasil a todos os seus clientes.

4. O movimento era libertador, pois pretendia abolir a escravidão.

Embora alguns líderes como Antônio de Sousa Neto fossem abolicionistas convicto, o comando maior farroupilha sempre assistiu uma disputa em relação a essa idéia. No final do conflito os abolicionistas foram afastados do comando e gente como David Canabarro e Vicente da Fontoura, em segredo, negociaram de forma abominável um fim que mantivesse a escravidão na província mantendo, porém a farsa de que isso era uma exigência apenas dos imperiais. O criminoso ato de Porongos, quando os lanceiros negros, desarmados, foram dizimados, fala por si só.

5. A Guerra terminou com um tratado digno, o Tratado de Ponche Verde, em que o Império reconheceu a bravura dos farrapos e a dificuldade de vencê-los, não punindo suas lideranças e mantendo-os no exército, com a mesma patente que exercia nas forças farroupilhas.

O que aconteceu em Ponche Verde, não foi um tratado. Para se ter uma idéia, homens como Bento Gonçalves, Antônio de Sousa Neto e o próprio Duque de Caxias, jamais assinaram o documento, o que o caracteriza muito mais como um conchavo entre grupos do que um Tratado de Guerra. Além disso, o governo brasileiro sabia bem que os tempos muito próximos trariam conflitos armados com Argentina, Uruguai e Paraguai e por isso, precisava daqueles militares experientes e profundos conhecedores da região, sendo essa a causa real da manutenção da ordem militar.

O direito à tradição e as lendas é inalienável dos povos, mas, maior é o direito do conhecimento das verdades históricas dos fatos.


Prof. Péricles










UMA SEMANA PARA NÃO ESQUECER


por Saul Leblon

A semana termina com uma inflexão na disputa presidencial que devolve a reeleição da Presidência Dilma ao topo das apostas. A evidência mais óbvia está na convergência das pesquisas.

Mas são as decisões políticas que cavalgam os números. A elas devem ser creditadas as lições de uma semana para não esquecer --seja para orientar o passo seguinte da atual disputa, ou o futuro que vier depois dela.

Em sete dias, a candidatura progressista passou a ditar o ritmo do jogo: todos os levantamentos apontam na direção de uma vantagem ascendente de Dilma no 1º turno, com liquefação da liderança de Marina na fase final do pleito.

O empate técnico no 2º turno --43% a 42%, com Marina à frente, sinalizado pelo Ibope desta 6ª feira, deixa no ar um leve aroma de virada.

No início do mês, o Datafolha buzinava a hipótese de uma vitória esmagadora de Marina, que àquela altura abria uma vantagem de 10 pontos sobre Dilma no returno da eleição (50% x 40%).

Há uma semana, o Ibope indicava que a vantagem caíra para ainda apreciáveis sete pontos (46% a 39%).

As mudanças na superfície refletem correntezas que antecipam o rumo da marcha.

Por exemplo: a percepção positiva do governo melhorou.

Expressiva maioria dos brasileiros –cerca de 70% do eleitorado considera a administração Dilma entre regular (33%) e ótimo/bom (38%).

O percentual de ótimo e bom cresceu sete pontos desde junho.

A candidata Dilma ainda enfrenta elevada taxa de rejeição (42%). Mas a Presidenta vê sua aprovação crescer lentamente: ganhou sete pontos para somar agora robustos 48% (41% em junho).

O que falta para essa aprovação flutuante se traduzir em apoio efetivo à reeleição?

A pergunta é pertinente diante da mudança observada no humor do eleitorado, mas, sobretudo, das possibilidades abertas por novidades que vieram para ficar.

Os 11 minutos disponíveis pela coligação de Dilma no horário eleitoral abriram uma clareira em uma narrativa econômica articulada à especulação financeira, e determinada a materializar a profecia de um nação demolida, embora no limiar do pleno emprego.

O BC anunciou uma expansão do PIB de 1,5% em julho --a maior taxa dos últimos seis anos para o mês. No mesmo dia a Bovespa desabou.

O que explica o paradoxo de uma Bolsa que esfarela quando a economia se expande, e isso é reportado pelo colunismo isento como sintoma de uma economia em estado terminal?

Explica-o a perda de densidade da candidatura ostensivamente simbiótica com os interesses do mercado financeiro.

A segunda lição da semana não é estranha a essa, mas reveste-a de maior abrangência.

O fato é que a reordenação das intenções de voto em direção à Dilma dificilmente teria ocorrido não fosse a determinação política de usar essa janela de informação para transmitir uma mensagem clara ao eleitor.

Ela foi formatada, como registrou Carta Maior (leia ‘A arca de Marina e o dilúvio antipetista), depois que a direção do PT fez um balanço crítico da campanha no último dia 5, em São Paulo. Foi também quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso à militância, encarou a perplexidade petista diante da desabalada liderança de Marina nas pesquisas até então.

Em duas frases, Lula esquadrejou a areia movediça ao redor e identificou um pedaço de chão firme onde instalar a alavanca para uma reação: ‘Nós ficamos economicistas; não nos faltam obras, mas política’, diagnosticou para prescrever o antídoto: ‘Temos que demarcar o campo de classe dessa disputa: é preciso levar a política à propaganda’.

A partir de então a essência radicalmente neoliberal embutida no programa de Marina Silva passou a ser floculada do espumoso caudal de 241 páginas .

Na mesma chave narrativa, a Presidenta Dilma passou a dar nomes aos bois. E ao berrante, que alguns preferem chamar de educadora, embora funcione como um agregador da boiada e de tudo o mais que acompanha o tropel.

A eleição está longe de ser definida a favor do campo progressista. Há flancos preocupantes.

O Nordeste não é mais uma trincheira coesa; Dilma não terá palanques em estados onde candidatos a governo do PT estarão fora do 2º turno; a mídia e o dinheiro grosso não vão desperdiçar a chance real de vitória à bordo da desfrutável candidata que lhes oferece o carisma que nunca tiveram. Num 2º turno, a vantagem do tempo de televisão desaparece.

É tudo verdade. Mas quem relativiza o que aconteceu nos últimos cinco dias não entendeu o principal.

O PT e sua propaganda redescobriram que não se faz política sem definir o adversário, dizer o que ele representa, por que deve ser derrotado, as perdas e danos de se entregar o país ao seu corolário de poder.

Isso não é pouco.

Em dúvida, recomenda-se rever a sabatina de Dilma à equipe de colunistas do Globo, realizada na última sexta-feira.

Estava todos lá, as mais ostensivas cepas do conservadorismo midiático, em sua gordurosa peroração de sempre: o Brasil é uma cloaca entupida de corrupção e desgoverno.

Dilma deu-lhes um banho com o sabonete desfolhante da clareza técnica esfregada com a bucha da argúcia política.

Tirou o couro. E expôs a matéria bruta dos interesses por trás da santa inquisição, reduzida a um auditório gaguejante, diante da consistência e desenvoltura da entrevistada.

Confira abaixo. É o corolário encorajador de uma semana para não esquecer:

http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/sabatinas-o-globo-com-os-candidatos-a-presidente-1.html

domingo, 7 de setembro de 2014

UM PAÍS DE MENTIRAS - 01



O Brasil é um país que gosta de mentiras e convive culturalmente com elas.

Já ao nascer como país, na Constituição de 1824, uma grande mentira, a Monarquia é adotada como forma de governo. Quando o normal seria seguir o exemplo de todas as nações sul-americanas que adotaram a república, o Brasil nasceu real. Mas essa realeza era uma mentira. Nossa dinastia não existia, nem nobreza. Nossos condes, duques e marquesas foram todos instituídos por decretos a partir de uma idéia mentirosa criada apenas para manter a escravidão.

Como que justificando a aposta das elites na monarquia, D. Pedro, nosso primeiro imperador, em 1826, mentiu aos britânicos que acabaria com o tráfico de escravos num prazo máximo de cinco anos, e os britânicos acreditaram. Foi a famosa Lei “para inglês ver” e o tráfico só seria proibido depois de uma verdadeira guerra diplomática 44 anos depois em 1870, com a Lei Eusébio de queirós.

No segundo reinado criou-se o mito de uma nação pacífica, mas isso é apenas outra mentira, pois, se internamente os movimentos de contestação acabaram (com exceção da Praieira em 1848) essa paz se fez pelo emudecimento à força das vozes reivindicantes e não pela atenção a essas reivindicações, externamente, o Brasil interferiu militarmente por três vezes na Argentina e no Uruguai e foi o ator principal da maior guerra dessa banda do continente, a Guerra do Paraguai (1864-1870).

Antes, em 1847, uma engenhosa farsa. Criou-se o sistema parlamentarista no Brasil, sem nunca se usar a palavra parlamentarismo ou primeiro-ministro, e sim, presidente do Conselho de Ministros. No entanto, o imperador manteve seus poderes num parlamentarismo verdadeiramente às avessas.

Pelo cargo maior de Presidente do Conselho de Ministros lutavam dois partidos com nomes opostos, Partido Liberal e Partido Conservador, mas era mentirinha, pois os dois eram basicamente a mesma coisa e representavam os mesmos interesses da elite.

Em 1888 ocorre a assinatura da Lei Áurea, uma enorme mentira, pois de áurea essa Lei racista e excludente, nada tinha.

Na proclamação da República em 1889 adota-se toda uma simbologia positivista num país em que poucos setores eram realmente positivistas e uma Constituição fortemente influenciada pelos Estados Unidos que prevê o voto universal, uma grande mentira. Como pode o voto ser universal se excluía as mulheres e os analfabetos?

Na virada do século coibia-se o samba como atividade criminosa e proibiam-se os negros de jogarem futebol. Ao mesmo tempo se fazia saúde pública vacinando à força e queimando-se colchões das pessoas pobres.

Mentiras. Um país que cultiva mentiras


Prof. Péricles

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

FLERTANDO COM A MORTE


Por Paulo Vianna


Aconteceu na tarde de sexta-feira, 23 de abril de 1982. Quem estava sentado do lado esquerdo do avião levou um grande susto: apareceu um jato militar, bem armado e com pintura de camuflagem, junto da asa do DC-10 da Varig. Foi por pouco tempo — o suficiente para provocar tumulto. De repente, o caça deu uma guinada e desapareceu. Deixou perplexidade bastante para animar a conversa a bordo naquele fim de viagem Johanesburgo-Rio.

Ao desembarcar no aeroporto do Galeão, por volta das 19h30m, cada passageiro tinha uma breve história para contar. Um deles era Leonel Brizola, então candidato ao governo do Estado do Rio. “Dava para ver o perfil do piloto”, ele disse ao GLOBO na época. Brizola (1922-2004) e seus companheiros de viagem não podiam imaginar, mas aquilo fora um flerte com a morte.

Quando o DC-10 foi captado na tela dos radares, a frota britânica navegava a dois mil quilômetros de distância das praias do Rio. Avançava na direção do arquipélago Malvinas, invadido por tropas argentinas três semanas antes.

O almirante John Forster “Sandy” Woodward comandava uma operação arriscada, a 13 mil quilômetros das bases europeias, limitada no calendário pelo início do inverno polar. E, também, limitada no tempo, porque o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher não sobreviveria se a missão resultasse em fiasco ou numa “viagem inútil a lugar nenhum” — na definição do Bureau de Inteligência do Departamento de Estado norte-americano.

Há quatro dias a esquadra deixara a base da ilha de Ascensão, na altura de Pernambuco, e era frequentemente sobrevoada por um Boeing 707 da Aerolíneas Argentinas. Toda a estratégia de defesa da Junta Militar dependia da localização dos navios para estimativas sobre a data mais provável de chegada da frota à zona de combate.

Incomodado com as missões de “reconhecimento”, Woodward pediu mudanças nas regras de interceptação. Até então, dependia de autorização expressa de Londres para abrir fogo contra aeronaves consideradas como “ameaça”, fora da “zona de exclusão aérea”, mesmo que estivessem desarmadas. Recebeu autonomia na quinta-feira 22 de abril, quando o secretário de Defesa, John Nott, anunciou alterações no sistema de “alerta de defesa” da frota — sob o argumento de que a esquadra já se encontrava ao alcance das Força Aérea argentina.

Na manhã de sexta-feira, 23, um Boeing 707 da Aerolíneas despontou nos radares, e desapareceu — indicam os registros coletados pelo historiador militar britânico Rupert Allason, cujos livros são assinados com o pseudônimo Nigel West.

À tarde, outro alarme: aeronave suspeita a 340 quilômetros de distância, dez mil metros de altitude, em aproximação a 700 quilômetros por hora. O momento não poderia ser pior, descreveu Woodward nas memórias, porque o porta-aviões Hermes estava em meio ao reabastecimento. Preparou-se o lançamento de mísseis.

Um caça Harrier se aproximou do “alvo”. Chegou por trás; passou por cima; ficou à frente; foi para o lado esquerdo; deu uma guinada e sumiu, sem responder às tentativas de contato do comandante do DC-10, Manoel Mendes — segundo ele mesmo relatou aos passageiros curiosos, como Leonel Brizola e o então deputado maranhense Neiva Moreira.

O piloto do caça confirmara o “alvo” como jato comercial regular da companhia brasileira Varig, em voo de rotina e com as luzes de cabine devidamente acesas. Woodward calcula em 30 segundos e Allason (West) estima em 20 segundos o intervalo entre o reconhecimento pelo Harrier e a ordem para abortar o ataque.

A bordo do DC-10 da Varig, 188 pessoas não sabiam, mas durante essa fração de tempo flertaram com a morte.

E o comandante Woodward escapou de um erro que, certamente, teria mudado a história da guerra no Atlântico Sul.