segunda-feira, 31 de março de 2014

MODA REAÇA


Por Gregorio Duvivier

Aproveitando essa onda reaça que tá super-mega tendência, a gente está lançando toda uma coleção pra você, jovem reacionário, que quer gastar o dinheiro que herdou honestamente na sociedade meritocrática --apesar dos impostos, é claro.

Pode guardar a camiseta fedida do Che Guevara e raspar essa barba de Fidel. A moda guerrilheira é muito 2002. Quem tá com tudo neste outono é o jovem reaça. A moda é cíclica, gatinhos! Nesta estação, vamos aproveitar o aniversário da revolução democrática e tirar do armário a fardinha verde-oliva do vovô. E o melhor: não precisa nem limpar as manchas de sangue. Superona.

O último grito do outono fascistão é defender os valores tradicionais e ressuscitar velhos chavões: direitos humanos para humanos direitos, bandido bom é bandido morto, Deus não fez Adão e Ivo.

Nossa coleção --que será lançada amanhã, no prédio do DOI-Codi-- foi feita pensando em você, cidadão de bem, branco, católico, heterossexual, rico, com as pernas no lugar, funcionando direitinho. Você é o homem da minha coleção. Olha só esse soco inglês: é a sua cara. Vestiu bem, homem da minha coleção. Combina com sua correntinha.

O homem da minha coleção anda armado e se algum viado der em cima dele ele diz que atira na testa. O homem da minha coleção transa com travesti mas se arrepende logo em seguida e enche a bicha de porrada. O homem da minha coleção casou na igreja com a mulher da minha coleção num casamento celebrado pelo padre da minha coleção, homofóbico, racista e com um sotaque ininteligível apesar de nunca ter saído do Brasil.

A mulher da minha coleção critica periguetes porque elas não se dão valor --chama isso de feminismo. Saia curta, nem pensar. "Depois reclama quando é estuprada..." A mulher da minha coleção acha que mulher gorda devia evitar sair de casa. "Ninguém é obrigado a ver gente obesa."

A mulher da minha coleção finge que não sabe que é traída pelo homem da minha coleção e se vinga estourando o limite do cartão de crédito do homem da minha coleção que por sua vez finge que não sabe e se vinga saindo com outras mulheres da minha coleção.

Nosso it boy, claro, é o coronel Paulo Malhães, torturador chiquerésimo que deu depoimento à Comissão da Verdade usando um puta óculos escuros Prada de aro dourado, onde assumiu ter perdido a conta de quantos cadáveres ocultou. Divo.

Viva a revolução --democrática.

sábado, 29 de março de 2014

CRONOLOGIA DE UM PESADÊLO



Agosto de 1954. Depois de uma crise política fulminante, na madrugada do dia 24, o Presidente Getúlio Vargas, em pleno exercício do poder, se suicida com um tiro no coração. O tiro que matou Getúlio trouxe o povo emocionado às ruas das cidades brasileiras e matou a pretensão já bem articulada de um golpe militar. Frustrados, os golpistas tiveram que baixar as armas e voltar para os quartéis.

Março de 1964, sexta-feira 13. O presidente João Goulart avisado de articulações golpistas tenta, numa manobra desesperada, trazer o povo para as ruas com um comício emocionante e um discurso inflamado e decisivo. Jango anuncia que fará a reforma agrária, nacionalizará as refinarias estrangeiras de petróleo e tronará ainda mais difícil a remessa de lucros das multinacionais para suas sedes, fora do país. O discurso da central do Brasil, para muitos, foi um erro, pois provocou a adesão ao golpe de alguns militares indecisos, o pânico entre os norte-americanos e o ódio entre a classe média conservadora e amiga dos gringos. Outros entendem que o discurso foi um recurso político válido, mas que não deu os resultados esperados.

Março de 1964, quinta-feira 19. Numa demonstração de força virulenta contra o “presidente comunista” a “Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade” em São Paulo, reúnem 500 mil pessoas que bradam por valores conservadores e pela defesa dos interesses das elites daqui e dos poderosos de lá.

Nessa época, a CIA e outros órgãos de espionagem que trabalhavam livremente no Brasil, como se esse fosse seu quintal (e era), disfarçada em entidades fantasmas como o IPE e o IBAD, já haviam reunidos dossiês e “provas” de que o governo João Goulart marchava para o comunismo, que era como eles chamavam qualquer política que dificultasse seus interesses e seus lucros.

Governadores como Ademar de Barros, de São Paulo e Carlos Lacerda “o corvo”, da Guanabara, preparavam o palco para a o golpe militar, que deveriam ser os personagens principais do teatro armado.

Considerando que as marchas davam um recado inequívoco de apoio ao golpe, o comando militar golpista marca a data de 4 de abril para iniciar o movimento, mas o general Carlos Guedes, da Infantaria, afirma que não se faz nada direito em lua de quarto minguante, e a data é remarcada para o dia 8 de abril.

Março de 1964, madrugada do dia 31, terça-feira. Um general golpista que mais tarde se definiria como “uma vaca num salão de cristais”, Olimpio Mourão, num momento de euforia ou de depressão, não se sabe, resolve dar início ao movimento e parte com suas tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Castello Branco, marechal respeitadíssimo entre os militares tenta, por telefone, barrar a marcha de Olimpio Mourão, mas, por telefone, é informado pelo governador e conspirador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que agora, posto na estrada, recuar seria impossível.

Abril de 1964, quinta-feira, dia 2. Reunidos do aeroporto Salgado filho, em Porto Alegre, o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, o presidente João Goulart e o General Ladário Lopes, discutem a situação. Enquanto Brizola demonstra uma enorme agitação, “Jango” está perfeitamente calmo. Ouvem os relatos de um golpe militar praticamente sem reação, irritam-se ao saber que o Congresso Nacional numa vil traição à democracia considera o cargo de presidente vago e da aceitação do STF da posse temporário no cargo presidencial de Ranieri Mazilli, presidente do Congresso e estão cientes do apoio ao movimento de tropas e armas dos Estados Unidos escondidos em algum lugar do litoral nordestino. Podem resistir. O general Lopes afirma que há condições de resistência dura, embora não garanta a vitória final.

Brizola e Lopes querem organizar a luta, mas João Goulart termina com a discussão ao afirmar que não irá lutar. Está cansado. Está abatido e decepcionado. Friamente informa aos dois que está indo embora no Brasil e que seu exílio será no Uruguai. Brizola percebe que sem o presidente a luta é impossível.

Abril de 1964, dia 9, quinta-feira. O golpe militar é um êxito completo. Não houve a reação esperada. É editado o AI-1 (Ato Institucional número 1) dando início às cassações de mandatos políticos. Castello Branco é empossado presidente com mandato até 24 de janeiro de 1967. Depois disso, segundo o porta-voz do novo presidente, haverá eleições livres para um novo mandatário e a “revolução” chegará ao fim, já que seu objetivo era apenas derrubar o perigoso comunista João Goulart e seu bando.

1967 chegou e não houve eleições, a ditadura continuou.

Dezembro de 1968, outra vez uma sexta-feira 13, caí a máscara. A farsa de um movimento bonzinho acabou com a edição de um dos mais macabros instrumentos já utilizados como expediente de Lei, o AI-5. Seu teor detinha tamanha repressão e violência aos direitos humanos e ao reconhecimento da cidadania que, na prática, instala o terror de estado no Brasil.

João Goulart morreu no exílio, “o corvo” Carlos Lacerda também. Ladário Lopes e mais de mil militares foram colocados na reserva, presos ou expulsos do exército. Olímpio Mourão continuou uma vaca, Carlos Guedes nunca fez nada de importante em lua de quarto minguante.

O povo brasileiro mingou, gerações inteiras foram amordaçadas e estupradas.
O Brasil passou por uma noite que duraria 20 anos e só começaria a terminar em 1985 com fim do governo do último general-presidente João Batista Figueiredo.

Nessa longa noite o Brasil conheceu a sua pior ditadura.

Mais de 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; Aproximadamente dez mil torturados; cerca de 500 mortos por órgãos da repressão e um número incalculável de sequelas como loucura, depressão, suicídios, males físicos que perseguiram suas vítimas até a morte e, a alguns, ainda perseguem.

Março de 2014. O passado está presente em nossa história e precisamos entendê-lo melhor.

Já que não podemos mudar essa história, que não permitamos que ela se repita.

Se não podemos ressuscitar os mortos, devolver a vida e a juventude perdidas por tantos, que se respeite a sua dor.

Prof. Péricles

quarta-feira, 26 de março de 2014

NUM RABO DE FOGUETE


Dando continuidade à série de textos sobre o golpe que completará 50 em no próximo 31 de março, e que impôs ao Brasil a mais longa ditadura do cone sul, postamos abaixo novo texto.

POR RODRIGO RODRIGUES

Compositor e escritor, Aldir Blanc Mendes é um nome que se confunde com a luta pela Anistia aos exilados e presos políticos brasileiros, vítimas das perseguições dos militares.

Sem pegar em armas nem fazer parte de nenhum grupo armado, empunhando apenas violão e voz, esse médico psiquiatra carioca inspirou a luta por Democracia no Brasil com versos.

Ao lado do amigo João Bosco, compôs aquela que vai ser para sempre lembrada como a canção da liberdade, o hino da Anistia: “O Bêbado e o Equilibrista”.

É a canção que narra o desejo de uma nação de tantas “Marias e Clarisses”, que naquela época tiveram seus companheiros assassinados pela repressão. (Maria, viúva de Manoel Fiel Filho, e Clarisse Herzog, viúva de Vladimir Herzog).

36 anos depois de suplicar em poesia corajosa pela “volta do irmão do Henfil" e de "tanta gente que partiu num rabo de foguete”, Aldir Blanc assiste o retorno dos arroubos autoritários com a reedição da “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade” sem perplexidade e nem surpresa:

"Não estamos 'revivendo' nada, porque o fantasma de todo aquele horror nunca se foi. Ninguém foi julgado ou condenado por tortura e assassinato político. Um palhaço apareceu, durante a construção do estátua de João Cândido, na Praça XV (Rio de Janeiro), e ameaçou: 'Se essa merda apontar para o Colégio Naval, a gente volta aqui e explode tudo'. Esses criminosos estão por aí, foram promovidos”, pontua.

Irreverente, direto nas palavras e sem economizar adjetivos e bom humor, Aldir Blanc lembra que, muito antes de provocação pública da reedição da “Marcha…”, o Brasil já vinha assistindo diariamente o despertar do ódio e das forças obscuras da repressão. Até dentro do próprio Congresso, que deveria ser símbolo da liberdade pública:
"O deputado Rosconaro (Jair Bolsonaro – sic) declarou que 'nosso mal foi torturar demais e matar de menos'. É nesse pântano que vivemos. Gorilas com próstatas do tamanho de melões se reúnem no Clube do Bolinha para comemorar o golpe. Hoje mesmo, um ex-coronel admitiu que os presos da Casa da Morte, em Petrópolis, eram mortos, despedaçados e davam sumiço nos restos em um rio da região serrana…”, lembra o compositor.

Aos 67 anos, o médico psiquiatra que tratou diversos presos e familiares de desaparecidos diz que a fórmula para se livrar do que ele chama de “fantasmas” está na revisão da Lei da Anistia e na retomada da agenda inclusiva.

"O Brasil precisa punir ou pelo menos desacreditar assassinos e torturadores. Fazer reforma agrária, melhorar a renda dos pobres, dinamizar Educação, Saúde e Transportes. Acabar com a apodrecida 'base de sustentação'”, diz o compositor, em referência ao PMDB e os demais partidos fisiológicos que estão com os governos, seja ele qual for, desde a retomada do direito ao voto.

Sobram críticas indiretas de Aldir Blanc até para o PT e a presidente Dilma Rousseff, por manterem o que se chama de "governabilidade a qualquer custo", prática inventada por Sarney ao chegar ao poder, e repetida por FHC e Lula: "(O Brasil) precisa parar de aparelhar ministérios com idiotas burro-cratas do PCdoB – enfim, cumprir minimamente a agenda inicial dos partidos de esquerda que parecem perdidos e aceitando essas merdas de Bumbum Garoto ou Rosinha Escrota que apareçam para vencer a qualquer preço”, analisa Blanc.

O fato de estar eternizado com “O Bêbado e o Equilibrista” na história do País não muda nada na vida dele, de acordo com o próprio Blanc.

A vontade de um Brasil melhor e justo, segundo o compositor, vale mais que qualquer lugar na memória de um povo.

terça-feira, 25 de março de 2014

A CABEÇA DO BRASILEIRO


Por Alberto Carlos Almeida

Uma das maiores dificuldades do brasileiro é aceitar o Brasil como ele é: quente, úmido e tropical, dentre outras coisas. O próprio brasileiro não aceita ser brasileiro. Não são todos assim, graças a Deus. É uma minoria, com certeza, mas que tem uma influência desproporcional na mídia e nas redes sociais. Há aqueles que gostariam que o clima no Brasil fosse frio. Recentemente, uma conhecida minha postou no Facebook uma frase de satisfação ao desembarcar em Nova York: "Eba, que bom voltar a sentir frio novamente". Para muitos, o calor traz para o corpo o suor e para a mente, o subdesenvolvimento.

Eles se justificam com as teorias pseudocientíficas que associam o sucesso econômico ao clima temperado. Provavelmente, se acham bem informados, mas nunca leram a prova mais cabal contra essa visão no best-seller mundial de Jared Diamond, "Germes, Armas e Aço".

Quem não gosta do calor que nos faz brasileiros pode também não gostar do Carnaval. As duas coisas não caminham necessariamente juntas, a não ser pelo fato de que, no Brasil, o Carnaval é mais animado nas cidades onde o clima é mais tropical. Creio que uma das coisas que me impedem de me interessar por desfilar em uma escola de samba em São Paulo é que não faz calor no momento do desfile. Desfile de escola de samba vem necessariamente associado a samba, suor e cerveja. A ausência de um desses elementos prejudica o divertimento.

Tenho sobrinhas na faixa dos 15 anos de idade que nunca passaram o Carnaval no Brasil. Acho lamentável. Se, por acaso, seguissem a carreira política, não considero que seria uma boa coisa sermos governados por elas. Para determinado segmento de nossa elite, o Carnaval não passa de um feriado longo que permite esquiar nos Alpes franceses ou em Vail, nos Estados Unidos. Enquanto eles estão no Hemisfério Norte se divertindo ao descer montanhas cobertas de neve, seu país está nas ruas, pulando, cantando, bebendo e fazendo uma demonstração inquestionável de vitalidade. O Carnaval é a comemoração do nada, não há coisa alguma sendo celebrada, como é no Natal, na Páscoa, na festa de São João, nos aniversários, nos casamentos.

O Carnaval não tem propósito algum, é a alegria pela alegria. Para um segmento da elite, porém, há um imenso propósito em aproveitar o período para esquiar, tomar vinho e comer fondue.

Rejeitar o clima tropical, o Carnaval, nossas origens ibéricas, nossa cor predominantemente parda, os inúmeros elementos que formam nossa identidade não nos confere vantagem comparativa alguma sobre outras nacionalidades. Pelo contrário, a vantagem está em reconhecer e saber aproveitar a diferença. Não se trata, jamais, de ser patriota ou nacionalista - aliás, esse é um traço formidável de nossa identidade: não somos nem uma coisa nem outra. Ainda bem. Conhecemos detalhadamente, por meio dos livros, as atrocidades perpetradas pelos atualmente civilizados europeus em nome tanto do nacionalismo quanto do patriotismo. Está aí um mal que nunca se abateu nem se abaterá sobre quem vive em clima tropical. Dizia um amigo meu que é impossível ser fascista no calor do Nordeste. Faz sentido.

Nossa incapacidade de aproveitar a Copa do Mundo tem a ver com isso. Tem a ver com a enorme dificuldade que temos em aceitar que somos brasileiros. É muito simples argumentar pragmaticamente em favor da Copa do Mundo no Brasil. Em primeiro lugar, se toda a energia e todos os recursos investidos na Copa tivessem sido direcionados, por exemplo, para a saúde pública, isso não teria melhorado um milímetro sequer o atendimento à população. Tecnicamente, sabe-se que, para melhorar áreas como saúde, transporte e segurança, são necessários muito mais recursos do que os direcionados para a Copa. Feita a ressalva, poderíamos elencar dezenas de motivos para aceitarmos a Copa, defendê-la e fazer o nosso melhor para que ela seja um sucesso retumbante. Afinal, é muito rara a chance de sediar um evento como esse, e os benefícios de longo prazo para a imagem do país e para o fluxo de turistas estão devidamente comprovados.

Como não nos aceitamos como brasileiros, não estamos tirando proveito disso. É lamentável. Quanto mais brasileiro alguém é, mais essa pessoa é otimista em relação à Copa. Uma proxy de ser brasileiro é gostar de futebol. Quanto mais uma pessoa gosta de futebol, mais brasileira ela é. Faço aqui a ressalva importante de que ser tipicamente brasileiro não exige que se goste de futebol, mas que ajuda, ajuda.

O Instituto Análise dividiu os brasileiros em três grupos quando se trata de gostar de futebol: os apaixonados, os que gostam e os indiferentes. São apaixonados por futebol aqueles que: conversam ou fazem brincadeiras sobre futebol com parentes e amigos, torcem para um time de futebol, torcem para a seleção brasileira, assistem a jogos da seleção durante a Copa do Mundo e veem notícias sobre futebol. Nada menos do que 51% fazem essas cinco coisas. Os que apenas gostam de futebol fazem três ou quatro dessas cinco coisas - são 22% do Brasil. E os que fazem duas, uma ou nenhuma dessas cinco coisas são 27% dos brasileiros.

Pois bem, quanto mais alguém gosta de futebol, mais essa pessoa apoia a Copa do Mundo e a valoriza. Podemos dizer que, quanto mais brasileiro alguém é, mais apoia a Copa. Em primeiro lugar, quanto mais apaixonada por futebol uma pessoa é, mais a Copa no Brasil aumenta o orgulho de ser brasileiro: isso ocorre para 76% dos apaixonados, 71% dos que gostam de futebol e somente para 51% dos indiferentes. Além disso, os apaixonados por futebol, em sua maioria, 61%, consideram que a Copa do Mundo é boa porque traz investimentos e gera empregos. Essa proporção despenca para 37% quando a pessoa é indiferente ao futebol.

Há muita coisa ruim e que precisa melhorar no Brasil. Mas isso não nos faz piores do que nenhum outro país. A história nos ensina que todos os países desenvolvidos - todos, sem exceção - passaram por problemas muito parecidos aos que vivemos hoje. Há estágios de desenvolvimento. O Brasil está em um estágio menos avançado. Nosso PIB per capita é bem menor do que o dos países desenvolvidos. Estamos melhorando, fizemos isso durante todo o século XX. O Brasil foi um dos países que mais cresceram no século passado, e não estamos fazendo feio neste início de século XXI.

Não adianta ter pressa, não adianta ficarmos a todo momento nos comparando com Estados Unidos ou Alemanha. É possível alcançar o estágio de desenvolvimento de ambos, mas isso leva tempo e, portanto, exige paciência. No mais, o Carnaval passou e agora vem a Copa. Não vai demorar muito para que ela comece. Para aproveitá-la não é preciso esperar.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise

domingo, 23 de março de 2014

50 ANOS DEPOIS



Nós que nem éramos vivos em 1964 e que jamais nos sentimos perseguidos, não tivemos nenhuma culpa se outros 500 mil brasileiros foram ilegalmente investigados pelos órgãos de segurança, nem pelos 200 mil brasileiros detidos para averiguações sendo que desses quase dois mil rotulados como “suspeitos políticos” nunca mais conseguiram bons empregos ou aprovação em crediário, tão necessários para qualquer compra a prazo.

Nem nós que ainda éramos muito crianças na década de 60 podemos ser responsabilizados pelas 10 mil pessoas torturadas da forma mais indigna e perversa em toda nossa história. Torturas psíquicas e torturas físicas que mataram, estupraram e deixaram seqüelas para o resto da vida dos sobreviventes.

Como responsabilizar quem nunca passou fome em terra estranha e que nunca esteve desempregado num país estrangeiro de não entender a dor de cerca de 10 mil brasileiros exilados, sem direito de defesa, alguns, por mera denúncia anônima de alguém no período de vigência do AI-5?

Que parâmetros de valor temos para entender o desespero de 1.148 funcionários públicos e seus familiares depois de demitidos apenas por serem considerados simpatizantes do presidente deposto, ou dos 1.312 militares contrários à Ditadura reformados sem requerer a reforma, ou ainda pelos 245 estudantes expulsos das universidades e proibidos de freqüentar qualquer ensino superior no país?

E quem viveu esses momentos, mas que pela desinformação, foi mantido alienado não tem responsabilidade nenhuma por sua ignorância premeditada pela censura.

Não temos culpa da dor que mutila o corpo e dilacera a alma, do tapa na cara que envergonha, da violência sexual praticada com requintes de barbárie.

Nossos corações estavam longe sendo amadurecidos, e o som que predominava era o Iê-Iê-Iê ou bossa nova e não os gemidos dos calabouços.

Meia geração sonhava com um calhambeque a mais de 100 km na estrada de Santos, curtia a vida adoidada dos anos 60 enquanto a outra metade era massacrada nas matas do Araguaia, nas Casas de Petrópolis ou em algum porão encardido do Brasil.

Mesmo aqueles que sabiam algumas coisas, mas preferiram viver suas vidas fazendo de conta que nada sabiam têm culpa direta pelos 400 mortos, a maioria sem nenhuma chance de defesa, sendo que destes, 144 ainda estão desaparecidos e para suas famílias o pesadelo ainda não acabou.

Não, nós não estávamos lá, não pactuamos ou não sabíamos de nada disso Nós realmente não temos culpa desse terror, desse fascismo abrasador que enoiteceu o Brasil por mais de 20 anos.

Mas a história é dinâmica, ela gira sua roda e nos cobra uma postura.

O próximo 31 de março marcará 50 anos do dia em que tudo começou.

Estranhamente, 50 anos depois, podemos nos tornar cúmplices de tudo isso.

Desnudos do manto da ignorância basta uma palavra de elogio ao terror, de simpatia à força bruta ou o silêncio diante da injustiça para nossa cumplicidade se tornar evidente...


Mesmo que distante no tempo, qualquer aprovação, objetiva ou dissimulada, ao período de exceção representará nossa aceitação a todos os crimes.

Não podemos ser criminosos cinqüenta anos depois.

Que a nossa voz seja de defesa da democracia e de desprezo aos que, por outros interesses buscam criar verdades em cima de mentiras, expressando valores hipócritas em marchas espúrias.

Não nos deixemos levar pela ingenuidade de quem não estava lá, não defende os mais frágeis, não defende a inclusão, e mesmo assim, acha que está com Deus.

O inferno é logo ali. E o inferno quando aberto, engole a todos. Hoje a desconhecidos e anônimos, mas amanhã, nossos amigos e nossos amores.

O silêncio dos bons deve inquietar mais do que a fanfarra das viúvas da ditadura.

Se ontem, a ignorância nos absolve, hoje somos chamados a construir um mundo mais justo.

Não podemos ser cúmplices, cinqüenta anos depois.



Prof. Péricles





sábado, 22 de março de 2014

TÉCNICAS DE ASSASSINOS


Por Mario Magalhães

Em um dos mais importantes e verossímeis depoimentos já prestados por agentes da ditadura (1964-85), o coronel reformado Paulo Malhães afirmou que ele e seus parceiros cortavam os dedos das mãos, arrancavam a arcada dentária e extirpavam as vísceras de presos políticos mortos sob tortura antes de jogar os corpos em rio onde jamais viriam a ser encontrados.

O relato histórico do oficial do Exército foi feito à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro e revelado nesta sexta-feira pelo repórter Chico Otávio.
Malhães se referia a presos políticos assassinados na chamada Casa de Petrópolis, um imóvel clandestino na região serrana fluminense onde servidores do Centro de Informações do Exército detinham, torturavam e matavam opositores da ditadura. De acordo com o coronel, os cadáveres eram ensacados junto com pedras. Dedos e dentes eram retirados para impedir a identificação, na eventualidade de os restos mortais serem encontrados. As vísceras, para o corpo não boiar.

Veterano da repressão mais truculenta do passado, Malhães figura em listas de torturadores elaboradas por presos. É ele quem assumiu ter desenterrado em 1973 a ossada do desaparecido político Rubens Paiva.

Seu testemunho, sem vestígios de arrependimento, contrasta com o de aparente mitômano surgido em anos recentes. Malhães não é um semi-anônimo, mas personagem marcante para seus pares em orgãos repressivos e para presos políticos.
Dois trechos do seu depoimento à comissão, conforme reprodução de “O Globo''

1) “Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre. Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não (jogar) com muita pedra. O peso (do saco) tem que ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba. Por isso, não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo.”

2) “É um estudo de anatomia. Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás. Então, de qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro.”
Com a frieza de quem conta ter ido à padaria, Malhães afirmou, referindo-se ao local onde vive, a Baixada Fluminense: “Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui''.

Mário Magalhães nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios.