terça-feira, 30 de abril de 2013

GUERRAS E SUICÍDIOS



A taxa de suicídio entre agentes militares norte-americanos em serviço ativo, disparou em 2012, superando o número de soldados que morrem no campo de batalha e determinando um ritmo que pode bater o recorde anual registrado desde o início das guerras no Iraque e no Afeganistão há mais de uma década, informou o Pentágono.
O número de suicídios aumentou mesmo apesar de os militares americanos terem retirado suas tropas do Iraque e intensificado os esforços para fornecer assistência de saúde para problemas psicológicos, que visa limitar o uso de drogas e álcool, além de providenciar aconselhamento financeiro.

Os militares americanos afirmaram que houve pelo menos 154 suicídios entre soldados na ativa até 7 de junho. O número representa 18% de aumento em relação ao mesmo período em 2011, que registrou 130 suicídios entre militares na ativa. Foram 123 suicídios entre janeiro e junho de 2010 e 133 durante o mesmo período em 2009, informou o Pentágono.

Por outro lado, foram registradas 124 mortes de militares americanos no Afeganistão até o dia 1º de junho deste ano, segundo o Pentágono.

Os índices de suicídio entre militares subiram acentuadamente desde 2005, à medida que as guerras no Iraque e no Afeganistão se intensificaram. Recentemente, o Pentágono criou o Gabinete de Prevenção do Suicídio.

Na sexta-feira, a porta-voz do Departamento de Defesa Cynthia Smith afirmou que o Pentágono tenta lembrar os comandantes que aqueles que procuram aconselhamento não devem ser estigmatizados.

"Esta é uma questão preocupante e estamos empenhados em conseguir a ajuda que nossos membros necessitam", disse ela. "Quero enfatizar que a obtenção de ajuda não é um sinal de fraqueza, é um sinal de força."

Em uma carta a comandantes militares no mês passado, o secretário de Defesa Leon E. Panetta disse que "a prevenção do suicídio é uma responsabilidade da liderança", e acrescentou: "Comandantes e supervisores não podem tolerar qualquer ação que deprecie, humilhe ou ostracize qualquer indivíduo, especialmente aqueles que estão se comportando de maneira responsável ao procurar a ajuda profissional de que necessitam".

Mas grupos de veteranos disseram que o Pentágono não tem feito o suficiente para moderar o imenso stress vivido pelos soldados em combate, incluindo as várias implantações.


"Está claro para os militares que as coisas não estão sendo tratadas de maneira compreensiva", disse Bruce Parry, presidente da Coalizão de Organizações de Veteranos, um grupo com sede em Illinois. "Eles precisam entender de forma mais profunda o trauma que os soldados estão enfrentando."


Por Timothy Williams
The New York Times

sábado, 27 de abril de 2013

VIAGENS E UTOPIAS



Numa mensagem de Roberto Mitsuichi, a vida é comparada a uma viagem mais ou menos longa de trem.

Numa estrada maravilhosa, cheia de eventos e de diferentes paisagens, o trem segue seu rumo, como deve ser, nos levando do êxtase ao tédio.

Cheia de estações ao longo do caminho contamos, desde o início da viagem, com pessoas que mudarão nossa vida de alguma maneira e que nos deixarão ao longo da estrada, em diferentes estações.

Desde nossos pais, os primeiros passageiros de nosso vagão, que terão que descer do trem em algum ponto da estrada, antes de nós, passando por amigos de infância, namoradas, professoras, esposa, filhos...

Alguns descem de nosso vagão deixando-o mais vazio. Muitos levam um pouco de nós na bagagem nos deixando enormes vazios quando partem. Mas o trem segue.

Até que chega a nossa estação, e todos nós temos a estação marcada para descer.

Achei muito bela essa mensagem e fiquei pensando que o mesmo se aplica a nossas expectativas, nossos sonhos e utopias.

Quando crianças levamos uma coleção de sonhos brilhantes, de muitas cores e sons. Queremos ser médico, professor, bombeiro, policial... Queremos ser o destaque do colégio, dos irmãos, de tudo, pois quando crianças nossos sonhos são egoístas e exclusivistas.

Com o andar do trem barulhento ao longo do tempo, vamos nos definindo como seres sociais e nossos sonhos se tornam mais altruístas. E sem que a gente perceba nascem nossas utopias.

Então, percebemos que podemos sentar nos bancos da direita ou da esquerda do trem.

Se da esquerda iremos nos entender responsáveis pela própria sociedade em que habitamos e responsáveis não apenas por nossa comodidade, mas pela comodidade de todos os outros passageiros, sejam conhecidos nossos, ou totalmente anônimos. Iremos querer transformar o trem, torna-lo mais suave e acabar com as diferenças entre passageiros de primeira, segunda ou terceira classe. Provavelmente te acharão esquisito, maluco, um passageiro que talvez deva ser jogado pra fora do trem em movimento.

Se da direita, iremos sonhar sonhos já sonhados e conservados em vidros mágicos. Sonhos em conserva, capazes de suportar longo tempo, mantendo o sabor mesmo que rançoso e cruento. Nesse tipo de sonho, nos bancos da direita, a paisagem terá aspectos profundamente contrastantes e você os verá de acordo com a altura de seu banco. Se mais no alto você achará a viagem maravilhosa e talvez se dê por satisfeito se os dos bancos mais baixo não conseguiram subir à sua altura.

Num certo ponto da viagem, já próximo de sua estação você poderá perceber que seus sonhos envelheceram.
O médico, o professor, o bombeiro, o policial, já não habitam a sua alma. Não ligue. Sonhos envelhecem assim como a gente e como peles de cobras podemos trocá-los por outros.

Mas, mantenha viva suas utopias. Poderão até estarem gastas, desbotadas e doloridas. Mesmo assim, que estejam vivas.

Não sei exatamente como é o fim da viagem mas... algo me diz que serão as únicas coisas que poderemos levar. Não havendo roupas nos vestimos de utopias e foram elas que aqueceram nossos dias com esperança.

Cuide-se. Não chegue nu ao fim da linha.

Prof. Péricles

quinta-feira, 25 de abril de 2013

CONVERSA COM MR. DOPS




Aos 80 anos, José Paulo Bonchristiano conserva o porte imponente dos tempos em que era o “doutor Paulo”, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, “O DOPS era um órgão de inteligência policial, fazíamos o levantamento de todo e qualquer cidadão que tivesse alguma coisa contra o governo, chegamos a ter fichas de 200 mil pessoas durante a revolução”, diz, referindo-se ao golpe militar de 1964, que deu origem aos 20 anos de ditadura no Brasil.

Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”, e ele podia telefonar a Octávio Frias, da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”.

Nas entrevistas, o ex-delegado resistiu duas tardes inteiras antes de admitir que se torturava e matava no “melhor departamento de polícia da América Latina” – o que hoje qualquer cidadão pode constatar através dos depoimentos reunidos no “Memorial da Resistência”, museu que desde 2002 ocupa as antigas instalações do DOPS, no centro de São Paulo.

“Uma vez prendi um cara em um aparelho no Tremembé, e quando estava chegando no DOPS, o Fleury pediu o preso emprestado, não lembro o nome dele. Depois de dois dias sem notícias do preso, fui perguntar para o Fleury, e ele me pediu desculpas, tinha matado o cara que eu nem ouvi”, relata, como se fosse um contratempo na repartição. “

Bonchristiano admitiu que frequentava os outros centros de tortura montados em São Paulo a partir de 1969, como a OBAN (Operação Bandeirante) e o DOI-CODI, comandados pelo Exército e compostos de policiais civis e militares instruídos a torturar. Só no período de 1970 a 1974, a Arquidiocese de São Paulo reuniu 502 denúncias de tortura no DOI-CODI paulista, apelidado jocosamente pelos policiais de “Casa da Vovó”.

“O pau-de-arara não é, assim, uma tortura, vai tensionando os músculos, se o cara falar logo não fica nem marca, mas se o cara for macho e segurar…”.

Em seus primeiros anos no DOPS, Bonchristiano se especializou em infiltrações em movimentos sindicais, mas a partir de 1968 os estudantes se tornaram prioridade. “Quem faz revolução é estudante, operário faz revolução na Rússia”, costumava dizer.

Uma das operações das quais mais se orgulha, que o levou às páginas de revistas e jornais, foi o desmantelamento do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, em 12 de outubro de 1968, comandado por ele. “Prendi 1263 estudantes sem disparar um tiro”, diz – embora os policiais do DOPS e da Força Pública de Sorocaba tenham comprovadamente anunciado sua chegada com rajadas de metralhadora para o ar. “Coloquei a garotada em 100 ônibus cedidos pela (viação) Cometa e levei todo mundo para o DOPS. Separei os líderes e liberei o resto para ir para casa. Não tínhamos vontade de matá-los, eram estudantes”, ironiza.

“Eu sabia tudo o que o Dirceu fazia porque ele era metido a galã e eu coloquei uma agente nossa para seduzi-lo”, gaba-se o delegado. “Ela era muito bonita, a Maçã Dourada, e me contava todos os passos dele”, diz o delegado. A “estudante” Heloísa Helena Magalhães, uma das 40 moças contratadas pelo DOPS para esse tipo de serviço, segundo ele, chegou a ser secretária de Dirceu na UNE (na verdade, José Dirceu foi diretor da UEE).

“Depois que o presidente Truman criou a CIA, era a CIA que acompanhava o movimento dos subversivos”, continua. “Então trabalhávamos juntos, viajávamos juntos em muitos casos, mas nossas reuniões eram fora do DOPS, na happy hour de bares de hotéis como o Jandaia e o Jaraguá, no centro de São Paulo.

Dulce de Souza Maia, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) oi presa na madrugada do dia 25 de janeiro de 1969, enquanto dormia na casa da mãe.

Dois dias antes, vários líderes da VPR tinham sido presos e os repressores já sabiam que ela havia participado de um atentado a bomba no II Exército, que matou o sentinela Mario Kozel Filho. Também havia sido erroneamente apontada como uma das autoras do atentado que em 1968 matou o capitão do Exército americano, Charles Chandler, acusado pelos guerrilheiros de dar aulas de tortura no Brasil a serviço da CIA.

Dulce não sabe dizer se todos que a torturaram no quartel da Polícia do Exército eram militares, mas sua lembrança mais forte é a cara redonda do homem que a estuprou, depois de dar choques em sua vagina. “Eu aguentei 48 horas”. “

Em 1983, os ventos democratas extinguiram o DOPS e trouxeram um novo delegado geral, Maurício Henrique Pereira Guimarães, que despachou Bonchristiano para uma obscura seção da Secretaria de Justiça, encarregada das viúvas dos soldados mortos na II Guerra.

“Preferi me aposentar, hoje não acredito mais em nada. Fiz o que o presidente queria, os militares queriam, e não ganhei nem aquelas medalhinhas que eles davam para todo mundo”, desdenha, referindo-se à Medalha do Pacificador, entregue pelos militares a torturadores famosos.

A família ainda sofre com o passado do delegado. A filha, uma artista plástica, escolheu o prédio do antigo DOPS como cenário de uma performance acadêmica. No Facebook, comenta que o pai ficou “do lado dos algozes da ditadura”, enquanto uma de suas filhas – neta de Bonchristiano – faz campanha pela Comissão da Verdade em seu perfil.

Quando entrei no taxi para ir embora, refletindo sobre quem afinal estaria ameaçando quem, lembrei de uma ocasião em que nossas relações eram mais amistosas e pude lhe perguntar por que “eles” tinham enterrado os corpos, em vez de atirá-los ao mar ou incendiá-los para apagar definitivamente as provas.

De pé, na sala decorada com os estofados confortáveis, rodeados por mesinhas enfeitadas com fotos de família e bibelôs de inspiração religiosa, Bonchristiano reagiu: “Nós somos católicos, pô!”.


Trechos selecionados de Reportagem postada em www.apublica.org/2012/02/conversas-mr-dops

sábado, 20 de abril de 2013

JANGO LIVRE



O carro cruza a fronteira de Uruguaiana vindo de Mercedes, Argentina, a 120 km por hora. Ele conduz uma carga macabra, um caixão lacrado.

Aparentemente toda a população de São Borja estava nas ruas, num silêncio tenso, acompanhado de perto por soldados armados.

O carro conduzindo o caixão lacrado chega até a catedral e dali, diminui a marcha e ruma, agora lentamente, em direção ao cemitério.

O carro é imediatamente cercado pelos soldados armados dispostos a seguir a risca a ordem de não permitir manifestações populares

De repente, vindo do meio da multidão, um grito, “Jango, Jango”. De forma contagiante o grito se espalha e se multiplica “Jango, Jango, Jango”. Toda a tropa percebe que é inútil tentar evitar o sentimento que brota da multidão.

João Goulart, o Jango, presidente do Brasil deposto em 1964, e desde então, exilado político, está de volta ao país.

Porém, da maneira mais triste e definitiva: morto, bem como sonharam seus inimigos e inimigos da democracia que o derrubaram no golpe de 31 de março.

Seu corpo foi enterrado a 40 metros do túmulo de Getúlio Vargas, por exigência dos militares.

Jango morreu de forma inesperada e até hoje não completamente explicada no dia 6 de dezembro de 1976.

Oficialmente o ex-presidente morreu de ataque cardíaco. Porém, o regime militar jamais permitiu autópsia, que muitos achavam necessária para esclarecer todas as dúvidas.

Exatamente naquele momento vários políticos ligados a regimes derrubados na América foram assassinados num plano orquestrado pelas ditaduras do Cone Sul denominado “Operação Condor” e que visava à eliminação física dos políticos mais populares e que inspiravam reação contra as ditaduras.

Sobre a morte de Jango estendeu-se um véu de mistério. Passou-se a falar a boca pequena, como dizem os gaúchos, que Jango, na verdade, também fora assassinado assim como outras lideranças como Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.

Trinta e sete anos depois a Comissão da Verdade anuncia que, finalmente, seu corpo será autopsiado para, finalmente se estabelecer a verdade.

O Presidente João Goulart, o Jango, foi assassinado ou realmente morreu de causas naturais?

Esta é apenas uma, das muitas perguntas sobre esse período negro de nossa história, que precisa ser respondida.


Prof. Péricles


sexta-feira, 19 de abril de 2013

AS OUTRAS SEPULTURAS




Por Luis Fernando Veríssimo

Sempre é bom começar citando Hegel. Porque dá uma certa classe ao texto e porque, a partir de Hegel, você pode ir para qualquer lado, para a esquerda e ou para direita. Marx afiou suas teses criticando e às vezes assimilando Hegel, e Hegel, ao mesmo tempo em que sacudia o pensamento conservador europeu, era o exemplo mais acabado do que Marx abominava, o filósofo que explicava o mundo em vez de tentar mudá-lo. Mas minha citação de Hegel não tem nada a ver com esta divisão, mesmo porque é uma que todo o mundo - a partir da redescoberta da peça no século 18 - endossaria. Hegel disse que a Antígona de Sófocles era o mais sublime produto da mente humana, e sua heroína a mais admirável personagem, da História.

Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo. Rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?) Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecera insepulto, pertence ao Estado e não à sua família.

Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva.

Muitos conflitos são desnudados na peça, mas, o principal deles é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então, mas também com a revolução que acontecia nas relações Estado/cidadão no explosivo começo do século 19.

A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega.

Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas.

sábado, 13 de abril de 2013

O HOMEM QUE DISSE NÃO



A moça recosta-se na poltrona satisfeita ao final do filme.

O avô a observa e pergunta por que está tão satisfeita.

Ela responde que o filme que acabara de assistir fora ótimo, mostrara um militar norte-americano que sobrevivera ao Massacre do General Custer, e ainda salvara da morte a esposa, os filhos e algumas outras pessoas.

- Que pena que não existem heróis assim no Brasil, né vovô?

O avô deixa escapar um sorriso tímido antes de discordar.

- Ao contrário menina, nosso país tem muitos heróis maravilhosos. Você já ouviu falar no capitão Sérgio Macaco?

- Quem? Acho que nunca vovô...

- pois pode deixar que o vovô aqui vai te contar a história de um herói brasileiro... foi assim:

“Em 12 de junho de 1968, o capitão para-quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido simplesmente como “Sérgio Macaco”, chegou preocupado para uma reunião no Gabinete do Ministro da Aeronáutica onde foi recebido por dois brigadeiros.

Aos 37 anos, Sérgio Macaco era integrante do Para-Sar, esquadrão de elite da aeronáutica que executava missões de resgate e salvamento. Já tinha seis mil horas de vôo e 900 saltos em missões humanitárias que o fizeram um herói entre os índios que o chamavam de Nambiguá caraíba, que quer dizer, homem branco amigo.

Por tudo que já fizera recebera quatro medalhas por bravura.

Ele jamais poderia imaginar que seu maior ato de bravura se daria naquele dia, e exatamente naquele gabinete.

- Nossa vovô, o que aconteceu? Explodiu uma bomba no Prédio?

No prédio não minha neta, mas no coração de Sérgio Macaco...

Num diálogo surreal que ele jamais esqueceria, lhe é sugerido o cumprimento de uma missão terrível: propuseram-lhe que ele acompanhado por outros para-quedistas selecionados, colocasse bombas na porta do Citibank e da embaixada americana, causando algumas mortes. Em seguida viria a grande carnificina: ele dinamitaria a Represa de Ribeirão das Lajes e, simultaneamente, explodiria o gasômetro. As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que depois ficaria aguardando, os acontecimentos no Campo dos Afonsos. Quando a tragédia acontecesse o Para-Sar, comandado por ele, aportaria no local da tragédia posando de bonzinho, prestando socorro a milhares de feridos e recolhendo mortos vitimados pela ação da própria aeronáutica...

Colocariam a culpa nos grupos esquerdistas que lutavam contra a ditadura. Sérgio seria tido como herói por salvar as supostas vítimas dos "comunistas" e receberia sua quinta medalha, enquanto a ditadura teria um pretexto para aumentar a repressão contra os "subversivos”.

- Não acredito vovô. Brasileiros matando brasileiros... mas isso é monstruoso.

Sim, monstruoso, mas aquele ano de 1968 era decisivo para a continuidade ou o fim da Ditadura. Lembre-se que foi em 1968 a Passeata dos Cem Mil, a Morte de Edson Luis, e em dezembro a assinatura do AI-5 e aí...

- E aí o inferno desceu sobre o Brasil.

“Exatamente. Por isso a ação radical, na cabeça monstruosa dos que defendiam a linha dura, se justificava.”

- E então, o que aconteceu?

“O Capitão poderia aceitar a missão. Se tornaria um herói nacional, ganharia a quinta medalha e seria eternamente protegido pelo regime. Poderia como tantos fizeram justificar para si mesmo que apenas cumpria ordens, tinha tudo pra se dar bem, mas... não, ele olhou altivo para seus dois superiores que já o chamaram no Gabinete do Ministro para impressioná-lo e disse essa palavrinha de apenas três letras – Não.”

- Meu Deus...

“Sua recusa impedia que a missão fosse cumprida por outro, pois os dois brigadeiros sabiam que o segredo estava quebrado. Então a vida de Sérgio Macaco virou um martírio.

Foi perseguido pela ditadura, discriminado, removido para o Recife, reformado na marra aos 37 anos, cassado pelo AI-5 e pelo Ato Complementar 19, acabou na prisão...

Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, aconselharam-no a não se internar em unidade militar, pois certamente seria assassinado lá dentro. Graças ao jornalista Darwin Brandão, com auxílio do médico Sérgio Carneiro, o capitão acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto.

Pra você ver seu sentido de ética, em 1979 recusou ser anistiado.
Ser anistiado porque se não fiz nada errado e impedi uma carnificina?

Sérgio Macaco morreu de câncer no estômago em 04 de fevereiro de 1994 e três dias depois foi promovido a Brigadeiro”.

A moça parece grudada na poltrona...

- Caramba, esse sim é um verdadeiro herói... E ninguém lhe dá valor, ninguém nem ao menos conhece sua história...

“Sim querida. Ele foi enterrado sem honras militares e acompanhado apenas pela família. O diretor francês Olivier Horn fez um documentário que conta sua história, intitulado “O Homem que disse Não”, mas, aqui no Brasil ele não aparece nos livros nem nas aulas de história.”

- Mas a partir de hoje vovô, ele será o meu herói. Escreverei assim na memória “Sérgio Macaco, um herói de verdade”.

Prof. Péricles